Filebo 41a-42c — Prazeres e dores sendo da ordem do Infinito

Protarco – Não, Sócrates; é justamente o contrário. Dificilmente alguém afirmará que as dores e os prazeres são ruins por serem falsos, mas por implicarem grandes e numerosos vícios.

Sócrates – Mais para diante, se julgarmos conveniente, falaremos desses prazeres ruins que devem a ruindade própria a alguma corrupção. Por enquanto, tratemos apenas dos prazeres falsos de outro modo que, por vezes em grande número, se formam em nossa alma. Talvez isso seja de alguma utilidade para nossos julgamentos.

Protarco – Como não? Contanto que haja prazeres desse tipo.

Sócrates – Há sim, Protarco; pelo menos em minha maneira de pensar. E enquanto permanecer em nós essa convicção, não poderá deixar de ser analisada.

Protarco – Muito bem.

XXV – Sócrates – Copiando a tática dos atletas, tomemos posição em torno desse argumento.

Protarco – Sim, façamos isso mesmo.

Sócrates – Se ainda estamos lembrados, dissemos há pouco que, quando os prazeres – tal foi o nome que lhes demos – existem em nós, o corpo se conserva a parte e completamente separado da alma em suas afecções.

Protarco – Sim, ainda me lembro; foi dito isso mesmo.

Sócrates – Como também afirmamos ser a alma quem deseja o que se opõe às condições do corpo, e que é o corpo a fonte tanto dos prazeres como das dores.

Protarco – Isso mesmo.

Sócrates – Conclui agora o que se deduz de tudo isso.

Protarco – Podes falar.

Sócrates – Em tais casos, acontece o seguinte: as dores e os prazeres existem simultaneamente em nós, com as correspondentes sensações, que se opõem uma às outras, conforme já o demonstramos.

Protarco – É o que parece, realmente.

Sócrates – E também não foi dito o seguinte, cuja verdade, aliás, ficou reconhecida por nós dois?

Protarco – De que se trata?

Sócrates – Que ambos, o prazer e a dor, admitem o mais e o menos e pertencem ao gênero do infinito.

Protarco- Sim, dissemos; e daí?

Sócrates – Qual é o caminho para julgar com acerto esse ponto?

Protarco – Qual será e como o iniciaremos?

Sócrates – Sempre que nos dispomos em semelhantes casos não partimos do propósito de distinguir em todos qual é comparativamente maior ou menor, mais intenso ou mais forte, confrontando dor com prazer, dor com dor e prazer com prazer?

Protarco – Exato; nem é outro o propósito de nosso julgamento.

Sócrates – Mas como! No caso da vista, por exemplo, a verdade se altera quando se trata de ver de longe ou de perto, o que nos induz a julgamentos falsos. E o mesmo não se passará com as dores e os prazeres?

Protarco – Em escala muito maior, Sócrates.

Sócrates – Sendo assim, o que dissemos agora é precisamente o contrário do que afirmamos há pouco.

Protarco – Que queres dizer com isso?

Sócrates – Então, com serem verdadeiras ou falsas opiniões , comunicavam essa mesmas qualidades às dores e aos prazeres.

Protarco – É muito certo.

Sócrates – Mas agora, pelo fato de parecerem mudáveis as dores e os prazeres, conforme sejam vistos de mais longe ou mais perto, sempre que confrontados entre si, os prazeres nos parecem, em relação às dores, maiores e mais violentos, ocorrendo com as dores precisamente o contrário, em paralelo com os prazeres.

Protarco – Necessariamente terá de ser assim mesmo, pelas razões expostas.

Sócrates – Daí parecerem ambos maiores ou menores do que são. Ora, se cortares de ambos a parte que aparece, mas na realidade não é, não somente não dirás que essa aparência seja verdadeira, como não terás o ousio de afirmar que é verdadeira a parte restante da dor ou do prazer.

Protarco – Não, de fato.