Sócrates – E o seguinte? Já não ouvimos dizer que o prazer está sempre em formação, sem que nunca se possa considerar como existente? Há uns tipos habilidosos que pretendem demonstrar-nos essa teoria, aos quais nos confessamos agradecidos.
Protarco – Como assim?
Sócrates – É o que passarei a explicar-te, amigo Protarco, por meio de questões.
Protarco – Podes falar, e pergunta o que entenderes.
XXXIII – Sócrates – Há duas espécies de coisas: a que existe por si mesma e a que sempre deseja outra.
Protarco – De que jeito e que coisas são essas?
Sócrates – Uma é de natureza nobre; a outra lhe é inferior.
Protarco – Sê mais claro.
Sócrates – Já vimos belos e excelentes jovens e também seus valorosos apaixonados.
Protarco – Sem dúvida.
Sócrates – Procura duas coisas que se assemelhem a estas em tudo o que reconhecemos nelas.
Protarco – Precisarei dizer pela terceira vez: sê mais claro, Sócrates, no que falas?
Sócrates – Não há charada alguma, Protarco; é brincadeira do discurso. O que ele diz é que uma dessas coisas só existe por amor de outra, e que esta outra é precisamente aquela em vista da qual sempre se faz o que se faz em vista de qualquer coisa.
Protarco – Compreendi mais ou menos, à custa de tanto repetires.
Sócrates – Talvez, menino, compreendas melhor com o decorrer da exposição.
Protarco – É possível.
Sócrates – Agora tomemos mais estas duas.
Protarco – Quais serão?
Sócrates – Uma coisa é a geração de tudo, e outra essência?
Protarco – Admito ambas: a essência e a geração.
Sócrates – Muito bem. E qual delas diremos que foi feita em vista da outra: a geração, em vista da essência, ou a essência, em vista da geração?
Protarco – Perguntas agora se o que se denomina essência é o que é em vista da geração?
Sócrates – Talvez.
Protarco – Pelos deuses! Semelhante pergunta não equivale a esta outra: Como te parece, Protarco: a construção de navios se faz em vista dos navios, ou é o navio que se faz em vista da construção? e outras mais do que o mesmo tipo?
Sócrates – Foi justamente o que eu disse, Protarco.
Protarco – E por que não respondes a ti mesmo, Sócrates?
Sócrates – Nada o impede. Mas convém que participes da discussão.
Protarco – Sem dúvida.
Sócrates – O que afirmo é que os remédios, todos os instrumentos e todos os materiais são sempre aplicados em vista da geração, e que cada geração se faz em vista desta ou daquela essência, e a geração em geral, em vista da essência universal.
Protarco – Ficou bastante claro.
Sócrates – Nesse caso, se o prazer for, de algum modo, geração, necessariamente terá de sê-lo em vista de alguma essência.
Protarco – Como não?
Sócrates – Assim, a coisa em vista da qual se faz em vista de qualquer coisa pertence a classe do bem; mas o que é feito em vista de qualquer coisa, meu caro, devemos colocar numa classe diferente.
Protarco – Forçosamente.
Sócrates – Estando, pois, o prazer sujeito à geração, andaríamos certo se incluíssemos numa classe diferente da do bem?
Protarco – Certíssimo, sem dúvida.
Sócrates – Por isso, conforme o declarei ao desenvolver o presente argumento, a pessoa que nos advertiu de que o prazer está sujeito à geração e carece em absoluto de essência, faz jus a nosso reconhecimento; evidentemente, ela ridiculariza os que pretendem que o prazer seja algum bem.
Protarco – Exato.
Sócrates – Como não deixar de rir dos que só se comprazem com a geração?
Protarco – Como assim?
Sócrates – Aos que se libertam da fome ou da sede ou de outras necessidades da mesma natureza que a geração satisfaz, e que se alegram com essa geração, como se ela fosse prazer, além de afirmarem que não aceitariam viver, se não sentissem fome nem sede nem as outras necessidades desse tipo que formam seu séquito natural.
Protarco – Parece que é assim mesmo.
Sócrates – E não admitem todos que a geração é precisamente o contrário da destruição?
Protarco – Sem dúvida.
Sócrates – Ora, quem eleger segundo esse critério, escolherá a destruição e a geração, não aquele terceiro modo de vida, estreme de prazer e de dor, que se caracteriza pela mais pura sabedoria.
Protarco – Ao que parece, Sócrates, é o maior dos absurdos acreditar que o prazer seja algum bem.
Sócrates – Sim, o maior, conforme o prova mais o seguinte argumento.
Protarco – De que jeito?
Sócrates – Como não há de ser absurdo, se não podendo haver nada belo nem bom no corpo nem em muitas coisas mais, a não ser na alma, afirmar alguém que o único bem da alma, afirmar alguém que é o único bem da alma é o prazer, e que a coragem, a temperança e a sabedoria e todos os outros bens que a alma recebeu por sorte não são bens de maneira nenhuma? E mais: ver-se forçado a admitir que quem sente dor em vez de prazer á mau no momento em que sofre, ainda mesmo que se trate do melhor dos homens; e o contrário disso: o indivíduo que sente prazer, será tanto mais superior em virtude, quando mais intenso for esse sentimento, no próprio instante em que se manifesta.
Protarco – Tudo isso, Sócrates, é o cúmulo do absurdo.