Sócrates – Para nós, o conhecimento se divide em duas classes: a das artes mecânicas e a que entende com a educação e a cultura. Como te parece?
Protarco – Isso mesmo.
Sócrates – De início, decidamos se nas artes mecânicas uma parte não depende mais do conhecimento, e outra menos, para considerar mais pura a primeira e menos pura a Segunda.
Protarco – É o que precisamos fazer.
Sócrates – E não convirá separar das demais as artes diretoras?
Protarco – Que artes, e de que jeito o faremos?
Sócrates – Por exemplo: se separamos das outras as artes de contar, medir e pesar, tudo o que sobrar disso, a bem dizer, não terá grande valor.
Protarco – Nenhum.
Sócrates – Depois, só resta recorrer a conjecturas e exercitar os sentidos por meio da experiência e da rotina, com o recurso, ainda, de certa faculdade divinatória, que muitos denominam arte e que se aperfeiçoa com o trabalho e o exercício.
Protarco – Nem pode ser de outra maneira.
Sócrates – Para comemorar, não estará a música cheia desse empirismo, por isso mesmo que não regula seus acordes pela medida, mas por conjecturas habilidosas, como se dá com a auletrística e a arte de pulsar as cordas dos instrumentos musicais, a qual decide por tateios a medida certa de cada corda, tornando-se assim, cheia de obscuridade, e com parte mínima de certeza?
Protarco – Nada mais verdadeiro.
Sócrates – A mesma coisa vamos encontrar na medicina, na agricultura e nas artes do piloto e do estratego.
Protarco – Perfeitamente.
Sócrates – A arquitetura, me parece, com o recurso fácil das medidas e dos instrumentos que lhe asseguram alto grau de precisão, pode ser considerada como a mais científica das artes.
Protarco – De que jeito?
Sócrates – Tanto na construção de navios como na de casas e nos demais trabalhos com madeira. Emprega, segundo creio, régua, torno, compasso, cordel e um instrumento engenhoso para dirigir a madeira.
Protarco – Há muita verdade, Sócrates, em tudo o que disseste.
Sócrates – Dividamos, então, em duas classes as denominadas artes: as que acompanham a música e não alcançam muita precisão em suas obras, e as do grupo da arquitetônica, muito mais exatas.
Protarco – Vá que seja.
Sócrates – Digamos, ainda, que dentre estas as mais exatas são as que mencionamos há pouco.
Protarco – Quer parecer-me que te referes à aritmética e demais artes que há momentos mencionaste juntamente com ela.
Sócrates – Perfeitamente. Mas não nos será lícito, Protarco, afirmar que estas também se dividem em duas classes? Ou como será?
Protarco – A que classes te referes?
Sócrates – Para começar pela aritmética não será certo dizer que há uma aritmética popular e outra filosófica?
Protarco – E de que modo distingui-las, para classificar uma de certo jeito e dizer que a outra é diferente?
Sócrates – Não é pequena, Protarco, a diferença. Alguns incluem no mesmo cálculo unidades numéricas desiguais tais como: dois exércitos, dois bois, duas coisas pequeníssimas e duas muito grandes, enquanto outros se recusam a acompanha-los se não se admitirmos que no número infinito de unidades uma não difere da outra.
Protarco – Tens razão em dizer que há grande diferença entre os que se ocupam com números, sendo lógico por isso, dividi-los em duas classes.
Sócrates – E então? A arte de calcular e a de medir, na arquitetura e no comércio, e, do outro lado, a geometria e o cálculo para uso dos filósofos: diremos que constituem apenas uma arte, ou duas?
Protarco – Para não sair do que afirmamos antes, sou de parecer que são duas.
Sócrates – Muito bem. Mas agora por que trouxe à baila semelhante argumento? Saberás dizer?
Protarco – Talvez; mas preferia que tu mesmo esclarecesses esse ponto.
Sócrates – O que me parece, agora não menos do que no começo da exposição, é que nosso argumento procura um paralelo com os prazeres, que consistirá em sabermos se algum conhecimento é mais puro do que outro, tal como se observa com os diferentes prazeres.
Protarco – Evidentemente, o excurso não teve outra intenção.
XXXV – Sócrates – Ora bem; ele não demonstrou, com o que ficou dito atrás, que as arte variam conforme os objetos, que há artes mais claras e artes mais obscuras?
Protarco – Perfeitamente.
Sócrates – E não aconteceu designar determinada arte por um nome único, na convicção de que era una, para depois falar de duas artes diferentes, a fim de saber se o que há de preciso e puro em cada uma se encontra em grau mais elevado entre os que se dedicam à filosofia ou entre os leigos nessa disciplina?
Protarco – É isso, precisamente, o que se pergunta.
Sócrates – E que resposta, Protarco, daremos à questão?
Protarco – Já atingimos, Sócrates, um ponto em que é enorme a diferença em matéria de precisão dos conhecimentos.
Sócrates – Então, a resposta é muito fácil.
Protarco – Facílima; diremos, pois, que é grande a diferença entre as artes a que nos referimos e as demais, e que entre elas, também, as que são animadas de verdadeiro impulso filosófico ultrapassam, de muito, em precisão e verdade, as que se preocupam com números e medida.
Sócrates – Vá que seja conforme dizes; amparados em tua autoridade, responderemos com a afoiteza a esses mestres de discussões infindáveis.
Protarco – Quê?
Sócrates – Que há duas aritméticas duas artes de medir, e muitas e muitas outras dependentes dessas, todas elas dupla natureza, conquanto sejam designadas em comum apenas por um nome.
Protarco – Então, sejamos felizes, Sócrates, em nossa resposta aos homens que nos apresentaste como tão habilidosos.