Filebo 61d-62d — Condições e reservas para o saber na mistura

Sócrates – Antes de mais nada, responde-me ao seguinte: se juntarmos a toda a sabedoria todas as espécies de prazer, não há bastante probabilidade de alcançarmos a mistura ideal?

Protarco – Talvez.

Sócrates – Mas não é muito seguro. Penso que me encontro em condições de apresentar um plano de mistura isento de qualquer perigo.

Protarco – Dize qual seja.

Sócrates – Já não encontramos prazeres que se nos afiguram mais verdadeiros do que os outros, e também artes mais exatas do que outras?

Protarco – Sem dúvida.

Sócrates – E mais: que havia um conhecimento superior a outro: um, dirigido para o que nasce e perece; outro, para o que nem nasce nem perece e é permanente e sempre igual a si mesmo. Considerando-os à luz da verdade, concluímos ser esse conhecimento mais verdadeiro do que o outro.

Protarco – Muitíssimo certo.

Sócrates – Sendo assim, se começássemos pela mistura das porções mais verdadeiras do prazer e do conhecimento, quem sabe essa mistura nos proporcionaria a vida mais desejável? Ou ainda teríamos a necessidade de outros ingredientes?

Protarco – A mim, pelo menos, parece que é assim que devemos proceder.

XXXVIII – Sócrates – Imaginemos um indivíduo inteligente, que saiba o que é a justiça em si mesma e forme um conceito razoável tanto a seu respeito como de tudo o mais.

Protarco – Já imaginei.

Sócrates – Disporá essa pessoa de conhecimento suficiente, se tiver a noção do círculo e da própria esfera celeste, mas desconhecer nossa esfera e nosso círculo humanos, muito embora na construção de casas e em atividades congêneres empregasse círculos e esferas?

Protarco – Fora supinamente ridícula, Sócrates, nossa situação, se só dispuséssemos do conhecimento divino.

Sócrates – Que me dizes? Teremos de lançar em nossa mistura a falsa régua e o falso círculo da arte pura nem estável?

Protarco – Será inevitável, se cada um de nós quiser encontrar o caminho de casa.

Sócrates – E quem sabe se também a música, a respeito da qual dissemos há pouco que era cheia de conjecturas e imitação e carecia de pureza?

Protarco – É o que me parece irretorquível, se quisermos que nossa vida seja vida de verdade.

Sócrates – Resolves, então, que eu ceda e abra de par em par a porta, à maneira de um porteiro comprimido e forçado pela multidão, e deixe entrar todos os conhecimentos, para que os impuros se misturem com os puros?

Protarco – Não percebo, Sócrates, que mal adviria do fato de aceitarmos todos os conhecimentos, uma vez que ficássemos com os de primeira qualidade.

Sócrates – Então, deixaremos que todos corram para a tão poética bacia de confluência de Homero?

Protarco- Perfeitamente.