Sócrates – Antes de mais nada, responde-me ao seguinte: se juntarmos a toda a sabedoria todas as espécies de prazer, não há bastante probabilidade de alcançarmos a mistura ideal?
Protarco – Talvez.
Sócrates – Mas não é muito seguro. Penso que me encontro em condições de apresentar um plano de mistura isento de qualquer perigo.
Protarco – Dize qual seja.
Sócrates – Já não encontramos prazeres que se nos afiguram mais verdadeiros do que os outros, e também artes mais exatas do que outras?
Protarco – Sem dúvida.
Sócrates – E mais: que havia um conhecimento superior a outro: um, dirigido para o que nasce e perece; outro, para o que nem nasce nem perece e é permanente e sempre igual a si mesmo. Considerando-os à luz da verdade, concluímos ser esse conhecimento mais verdadeiro do que o outro.
Protarco – Muitíssimo certo.
Sócrates – Sendo assim, se começássemos pela mistura das porções mais verdadeiras do prazer e do conhecimento, quem sabe essa mistura nos proporcionaria a vida mais desejável? Ou ainda teríamos a necessidade de outros ingredientes?
Protarco – A mim, pelo menos, parece que é assim que devemos proceder.
XXXVIII – Sócrates – Imaginemos um indivíduo inteligente, que saiba o que é a justiça em si mesma e forme um conceito razoável tanto a seu respeito como de tudo o mais.
Protarco – Já imaginei.
Sócrates – Disporá essa pessoa de conhecimento suficiente, se tiver a noção do círculo e da própria esfera celeste, mas desconhecer nossa esfera e nosso círculo humanos, muito embora na construção de casas e em atividades congêneres empregasse círculos e esferas?
Protarco – Fora supinamente ridícula, Sócrates, nossa situação, se só dispuséssemos do conhecimento divino.
Sócrates – Que me dizes? Teremos de lançar em nossa mistura a falsa régua e o falso círculo da arte pura nem estável?
Protarco – Será inevitável, se cada um de nós quiser encontrar o caminho de casa.
Sócrates – E quem sabe se também a música, a respeito da qual dissemos há pouco que era cheia de conjecturas e imitação e carecia de pureza?
Protarco – É o que me parece irretorquível, se quisermos que nossa vida seja vida de verdade.
Sócrates – Resolves, então, que eu ceda e abra de par em par a porta, à maneira de um porteiro comprimido e forçado pela multidão, e deixe entrar todos os conhecimentos, para que os impuros se misturem com os puros?
Protarco – Não percebo, Sócrates, que mal adviria do fato de aceitarmos todos os conhecimentos, uma vez que ficássemos com os de primeira qualidade.
Sócrates – Então, deixaremos que todos corram para a tão poética bacia de confluência de Homero?
Protarco- Perfeitamente.