Filebo 62d-64b — Escolha a fazer entre os prazeres

XXXIX – Sócrates – Sendo assim, soltemo-los. E agora, voltemos para a fonte dos prazeres. Não nos foi possível, tal como tencionávamos fazer no começo, misturar primeiro as porções verdadeiras de cada uma das partes; dado o alto conceito em que temos os conhecimentos, deixamos que entrassem todos de uma vez, sem discriminação e antes dos prazeres.

Protarco – Só dizes a verdade.

Sócrates ? Então chegou a hora de confabularmos acerca dos prazeres e decidir se permitiremos entrada franca para todos, ou se no começo só aceitaremos os verdadeiros.

Protarco – É muito mais seguro deixar que entrem em primeiro lugar os verdadeiros.

Sócrates – Pois que entrem. E daí? Se houver prazeres necessários, como se dá com a outra classe, permitiremos que se misturem com os verdadeiros?

Protarco – Por que não? Quanto aos necessários, não há dúvida.

Sócrates – E assim como admitimos que para a vida era inócuo, e até útil, o conhecimento de todas as artes, digamos a mesma coisa dos prazeres: se só for vantagem e isento de qualquer perigo a vida inteira gozar de todos os prazeres, então permitamos que todos tomem parte de nossa mistura.

Protarco – Como nos manifestaremos a esse respeito e que decisão tomar?

Sócrates – Não é a nos, Protarco, que devemos dirigir semelhante pergunta, mas aos próprios prazeres e à sabedoria, sobre o que eles pensam da questão.

Protarco – Que questão?

Sócrates – Amigos – quer vos designemos pelo nome de prazeres, quer por outro – não aceitaríeis morar com a sabedoria, ou preferis viver à parte? Creio que, diante de tal intimação, forçosamente responderiam da seguinte maneira.

Protarco – Como será?

Sócrates – Tal como dissemos há pouco: Não é possível, nem disso adviria nenhuma vantagem, que qualquer gênero puro permaneça à parte e solitário. Se compararmos os gêneros entre si, de todos o melhor para nosso companheiro de casa é o que conhecer a todos e a nós outros por maneira tão perfeita quanto possível.

Protarco – Pois responderam muito bem, é o que lhes diríamos.

Sócrates – Ótimo. Depois disso, precisaremos interrogar a sabedoria e a inteligência. Necessitais de prazeres nessa mistura? é que perguntaríamos às duas. Que prazeres? Talvez nos replicassem.

Protarco – Sem dúvida.

Sócrates – De seguida, prosseguiríamos nosso interrogatório da seguinte maneira: Além desses prazeres verdadeiros, lhes faláramos, aceitaríeis conviver com os maiores e mais violentos? De que jeito, Sócrates? é que decerto nos diriam, se não têm conta os empecilhos que nos aprestam, e se perturbam, de mil modos, com suas loucuras, as almas em que moramos, impedem-nos o nascimento e, de regra, estragam, de todo em todo, nossos filhos, pela negligência e o esquecimento a que dão causa? Quanto aos prazeres verdadeiros e puros a que te referiste, podes considerá-los como de nossa família, aos quais juntarás os que vão de par com a saúde e a temperança, e também todos – e são em grande número – os que acompanham por toda a parte a virtude em geral, como se formassem o séquito de uma deusa. Jogo mais esse na mistura. Mas, os companheiros inseparáveis da insensatez e de outros vícios, associá-los à inteligência, quem assim procedesse daria prova de completa irreflexão, se depois de encontrar a mistura ou combinação mais bela e menos sujeita a sedições, tentasse experimentar qual seria o bem natural no homem e no todo universal, e que ideia fora possível fazer a seu respeito. Ante uma resposta nesses termos, não diríamos que a inteligência se expressara inteligentemente e com recursos próprios, tanto no seu interesse como no da memória e da opinião verdadeira?

Protarco – Perfeitamente.

Sócrates – Mas ainda há um ingrediente indispensável, sem o qual nada se poderá fazer.

Protarco – Qual é?

Sócrates – Se não incluirmos verdade na mistura, nada poderá nascer nem verdadeiramente subsistir.

Protarco – Como fora possível?

XL – Sócrates – Não há jeito. E agora, se ainda faltar alguma coisa para nossa mistura, tu e Filebo que se manifestem a meu parecer, o argumento já está completo, podendo ser comparado a uma espécie de ordem incorpórea que dirige admiravelmente bem um corpo animado.

Protarco – Ficas autorizado, Sócrates, a dizer que essa, também, é minha maneira de pensar.