Fim do paganismo clássico

Na antiga Grécia e no mundo helenizado, exceptuadas as vozes discordantes que muitos escutaram sem ouvi-las, o «velho» e o «novo» convivem pacificamente e sem suscitar os problemas que só a alguns de nós atormentam ou, pelo menos, inquietam. Pois, no intuito de procurar saber o que se dava numa situação intermédia, sempre convém avaliar o que se deu na final. Ora, o fim do paganismo clássico – apartada, por importuna, a questão de reconhecer ou não reconhecer que, pelo caminho, a filosofia fora perdendo a sua «fibra» (G. Murray), questão semelhante à da legitimidade ou ilegitimidade dos juízos de historiadores e críticos de arte (felizmente, cada vez mais raros) que, aplicando os padrões clássicos à plástica e à arquitetura helenísticas, concluem pela «decadência» – parece voltar ao princípio, fechando o ciclo que nos permite falar da Antiguidade como um todo, algo de completo, uno e, talvez, único. Mas, para verificá-lo, temos de contar com o que está além do princípio e aquém do fim. Ou, se nos consentem a comparação da Antiguidade com um horizonte-círculo, ou campo visual aberto até o horizonte-circunferência, quer dizer até o limite-limitante do visível, algo, assim, que assinala a oposição imanência-transcendência, também há que levar em conta, por um lado, os substratos mediterrâneos e os adstratos próximo-orientais da religião grega e, por outro lado, a verdadeira complementaridade das religiões consubstanciadas no cristianismo ou, de forma menos heterodoxa, das tendências religiosas muito diversas, mas, hoje, quase imperceptíveis aos olhos do crente intelectualmente míope, que se fundem na religião cristã – o que equivale a lembrar que nunca se encontrará uma linguagem que expresse a oculta unidade daquelas tendências opostas. E estas já se mostravam, como tais, no que apologetas desatentos, viram como praeparatio evangelica. Também por ora nos deteremos aqui, até reunir outros dados que se nos oferecem no horizonte das religiões antigas.

E o que se nos impõe, em primeiríssimo lugar, é destilá-los até obter a quinta-essência do que se denomina na «religião». Mas o certo é que, se tal maneira de operar termina necessariamente em defini-la, melhor seria desistir, pois nem todas as definições já propostas, uma vez dispostas no extensíssimo quadro sinóptico que ninguém ousou traçar, nos ofereciam apoio ao pensamento de uma unidade de essência – e essa é, precisamente, a condição primacial de tudo quanto seja susceptível de definição. Aliás, é isso que já se entrevê no que acima escrevemos nas linhas e entrelinhas tendentes a determinar a situação verificada no âmbito das religiões clássicas. Embora as contradições nem tanto atormentassem o espírito de seus adeptos, a verdade é que, por nós mesmos verificadas, obstam irremediavelmente a que se tente definir uma religião.(Eudoro de Sousa, “Sempre o Mesmo acerca do Mesmo”)