“Geometria” significa “medida da terra”. No Antigo Egito, do qual a Grécia herdou este estudo, o Nilo transbordava nas suas margens cada ano, alagando a terra e traçando a metódica linha das parcelas e zonas de cultivos. Esta inundação anual simbolizava para os egípcios o retomo cíclico do primigênio caos aquoso, e quando as águas se retiravam, começava a tarefa de redefinir e restabelecer as lindes. Este trabalho se chamava geometria e era considerado como o restabelecimento do princípio da ordem e da lei sobre a terra. A cada ano, cada zona medida era um pouco diferente. A ordem humana era mutável e isto se refletia no ordenamento da terra. O astrônomo do templo poderia dizer que certas configurações celestes tinham mudado e que. portanto, a orientação ou o posicionamento de um templo deveria ajustar-se a isto. Assim, o traçado das parcelas sobre a terra tinha, para os egípcios, uma dimensão tanto metafísica, como física e social. Esta atividade de “medir a terra” tornou-se a base de uma ciência das leis naturais, tais como se encarnam nas formas arquetípicas do círculo, do quadrado e do triângulo.
A geometria é o estudo da ordem espacial mediante a medição das relações entre as formas. A geometria e a aritmética, com a astronomia, a ciência da ordem temporal através da observação dos movimentos cíclicos, constituíam as principais disciplinas intelectuais da educação clássica. O quarto elemento deste importante programa em quatro partes, o quadrivium, era o estudo da harmonia e da música. As leis das harmonias simples eram consideradas leis universais que definiam a relação e o intercâmbio entre os movimentos temporais e acontecimentos celestes por um lado, e a ordem espacial e o desenvolvimento sobre a terra, por outro lado.
O objetivo implícito desta educação era permitir que a mente se tornasse um canal, através do qual a “terra” (o nível da forma manifestada) poderia receber o abstrato, a vida cósmica dos céus. A prática da geometria era uma aproximação à maneira como o universo se ordena e se sustenta. Os diagramas geométricos podem ser contemplados como momentos de imobilidade que revelam uma contínua e intemporal ação universal, geralmente oculta à nossa percepção sensorial. Desta forma, uma atividade matemática aparentemente tão comum pode tornar-se numa disciplina para o desenvolvimento da intuição intelectual e espiritual.
Platão considerava a geometria e os números como a mais concisa e essencial, e portanto ideal, das linguagens filosóficas. Mas não é senão em virtude de seu funcionamento num certo “nível” de realidade que a geometria e os números podem se tornar veículo para a contemplação filosófica. A filosofia grega definia esta noção de “níveis” — tão útil no nosso pensamento — distinguindo o “tipo” do “arquétipo”. Segundo as indicações que podemos ver nos relevos murais egípcios, alocados em três registros — o superior, o médio e o inferior — pode definir-se um terceiro nível “ectipo”, situado entre o “arquétipo” e o “tipo”.