arete: virtude. Latim: virtus.
Esse termo, como em latim virtus, possui duplo sentido: físico e moral. Por isso, para certos etimologistas, deriva de áres que, quando nome próprio, designa o deus da guerra (o Marte dos latinos) e, quando substantivo comum, significa combate e coragem. Da raiz ar- tem-se áristos: valente, valoroso, mas também ársen: varão, viril, donde, forte, corajoso; e, provavelmente, árkho, comandar, deter o poder; e arô: semear, fecundar (donde: instrumentos aratórios). A virtude, portanto, no sentido moral é força da alma tendente ao bem.
Como ressaltou Aristóteles, a virtude não é uma sequência ou uma repetição de atos, embora a ação seja a marca de um sujeito moral. Ela é “uma disposição (héxis) adquirida voluntariamente” (Et. Nic, II, VI, 15). Entenda-se com isso que, por um lado, em sendo adquirida, ela não é fruto de boas disposições naturais, mas de um esforço; e, em sendo disposição, é o estado de ‘um sujeito continuamente disposto a agir moralmente.
Os jônios não estavam preocupados com o tema da virtude, que, ao contrário, é muito desenvolvido nos pitagóricos. Segundo Pitágoras, ela é harmonia da alma, tal como a saúde é harmonia do corpo (D.L.,VIII, 33), e os neopitagóricos Teages e Métope redigiram um tratado Da virtude (Peri aretes). Xenofonte nos mostra Sócrates incentivando os discípulos a praticar a virtude (Mem., I, VII, 1), mais pelo seu exemplo do que por seu ensinamento (ibid., I, II, 3).
Platão apresenta, inicialmente, em Mênon (97b-100b), uma virtude de tipo socrático praticada no mundo sensível, por meio da ação, inspirada por um favor divino e definida como opinião verdadeira (v. dóxa); depois, na República (IV, 429e-441c), ele distingue três espécies de virtude em função, ao mesmo tempo, das potências da alma e das classes sociais; ou seja, há três potências da alma: a concupiscência (epithymía), que tem sede no ventre e preside a vida vegetativa; o coração (thymós), que tem sede no peito e preside a vida afetiva (poder-se-ia chamar essa tendência de “impulso espontâneo para os valores”); por fim, a razão (lógos), que tem sede na cabeça e preside a vida intelectual. A harmonia da alma e a da sociedade precisam de três virtudes, ao mesmo tempo específicas e hierarquizadas:
— temperança (sophrosyne), que regra a concupiscência e é própria da gente do povo;
— coragem (andreía), que regra o coração e é própria dos guerreiros;
— sabedoria (sophía), que regra a razão e é própria dos governantes.
Uma quarta virtude, a justiça (dikaiosyene), é necessária à alma inteira e às três classes, pois é ela que garante a harmonia no indivíduo e na polis.
Essas quatro virtudes platônicas costumam ser chamadas “virtudes cardeais”. Encontram-se vários esboços delas antes da República; no Protágoras (349b): justiça, sabedoria, santidade e coragem são quatro aspectos de uma virtude única, às quais se soma, adiante, a temperança (361b); em Fédon, aparecem dois trios: coragem, sabedoria e justiça (67b) e temperança, justiça e coragem (68b-e).
Aristóteles, por sua vez, estabelece duas virtudes de acordo com as partes da alma; é grande, porém, a diferença em relação a Platão. Este dá à opinião, à concupiscência e ao coração, que são infra-racionais, a capacidade de exercer a virtude; Aristóteles situa os dois níveis da virtude na alma racional (v. psykhé); pois a virtude, se é adquirida, é adquirida racionalmente; mas não é fruto de uma razão teorética, que tende à verdade, e sim de uma razão prática, que tende à ação (Et. Nte., VI, II, 1-3).
A parte racional da alma tem dois estágios. O superior é o epistemonikón, que é para Aristóteles aquilo que a nóesis é para Platão, ou seja, a razão intuitiva; o inferior é o logistikón, que é para Aristóteles aquilo que a diánoia é para Platão, ou seja, a razão raciocinante. A primeira é sede das virtudes dianoéticas ou contemplativas; a segunda é sede das virtudes éticas ou ativas (ibid., II, I) e, como tais, deliberativas (ibid., VI, I, 6).
A virtude ética (ethiké) manifesta-se pelas seguintes características: é uma práxis, hábito adquirido racionalmente, que leva constantemente a fazer o bem (Et. Nic, II, VI, 15); ela é justa medida (mesótes), como meio-termo entre dois males, um por excesso, outro por falta; por exemplo, a coragem é o meio-termo entre o medo e a temeridade (II,VIII-IX); ela é voluntária, objeto de escolha refletida (proaíresis) (ibid., III, II-V). Por essa razão, a virtude moral fundamental é a prudência (phrónesis), virtude do homem que enfrenta as dificuldades humanas (X,VIII, 3), que pratica a habilidade na ação. As outras virtudes morais são: coragem, temperança, liberalidade, munificência, magnanimidade, brandura, pudor e justiça.
A virtude dianoética (dianoetiké), virtude do sábio que chegou ao ápice do conhecimento e não é dependente de seu corpo nem do mundo sensível, consiste na contemplação intelectual (theoría), que lhe garante a felicidade (eudaimonia) (ibid., X,VI-VIII). Ao contrário de Platão, Aristóteles considera que o homem público, para cumprir corretamente sua função, não precisa das virtudes do homem privado (Pol., III, IV, 3).
Para os estoicos, a virtude é equivalente ao bem (Sexto Empírico, Adv, mor., III, 77) e leva ao soberano Bem (Cícero, De fin., III, 11). Consiste na harmonia da alma com a ordem do universo (Séneca, De vita beata, VIII; Clemente de Alexandria, Stromata, II, XXI, 129; D.L., III, 165). A virtude é uma totalidade: ou se é inteiramente virtuoso ou não se é (D.L.,VII, 90; Cícero, Acad. post., 1,10). No entanto, os estoicos admitem que é possível distinguir certo número de virtudes. Zenão retoma as quatro virtudes cardeais de Platão (Plutarco, As contradições dos estoicos, VII). Outros distinguem as virtudes primárias (cardeais) das virtudes secundárias: magnanimidade, autodomínio, paciência, ardor, discernimento (D.L.,VIII, 92).
Plotino dedicou um pequeno tratado às virtudes: o segundo da I Enéada. Nele, a virtude é definida como semelhança com Deus; chega-se a ela por meio da kátharsis, graças à qual a alma humana se torna puro espírito. O autor aplica essa definição à sabedoria, à prudência, à justiça, à coragem e à temperança, que já estão eternamente no Espírito como modelos (I, II, 7). Volta ao tema no sexto tratado da III Enéada, mostrando que a virtude consiste “em cada parte da alma tornar-se semelhante à sua essência, obedecendo à razão” (III, VI, 2).