Sócrates — Então, comecemos. Já que te apresentas como entendido na arte da retórica e também como capaz de formar oradores: em que consiste particularmente a arte da retórica? Assim, por exemplo, a arte do tecelão se ocupa com o preparo das roupas, não é verdade?
Górgias — Sim.
Sócrates — E a música, com a composição do canto?
Górgias — Sim.
Sócrates — Por Hera, Górgias! Tuas respostas me agradam; mais concisas não poderiam ser.
Górgias — Eu também, Sócrates, acho que estou respondendo como é preciso.
Sócrates — Dizes bem. Então, responde-me da mesma forma a respeito da retórica: qual é o objeto particular do seu conhecimento?
Górgias — Os discursos.
Sócrates — De que discursos, Górgias? Porventura os que indicam aos doentes o regime a ser seguido para sararem?
Górgias — Não.
Sócrates — Logo, a retórica não diz respeito a todos os discursos.
Górgias — É claro que não.
Sócrates — No entanto, ela ensina a falar.
Górgias — Sim.
Sócrates — E, por conseguinte, também a compreender os assuntos sobre que ensina a falar.
Górgias — Como não?
Sócrates — E a medicina, a que nos referimos há pouco, não deixa também os doentes capazes de pensar e de falar?
Górgias — Necessariamente.
Sócrates — Sendo assim, a medicina, ao que parece, também se ocupa com discursos?
Górgias — Sim.
Sócrates — Os que se referem às doenças?
Górgias — Exatamente.
Sócrates — E a ginástica, não se ocupará também com discursos relativos à boa ou má disposição do corpo?
Górgias — Sem dúvida.
Sócrates — O mesmo se dá com as demais artes, Górgias, ocupando-se cada uma com discursos relativos ao objeto de que seja propriamente arte.
Górgias — É evidente.
Sócrates — Então, por que não dás o nome de retórica às outras artes, se todas elas se ocupam com discursos, e chamas à retórica arte dos discursos?
Górgias — É porque nas outras artes, Sócrates, todo o conhecimento, por assim dizer, diz respeito a trabalhos manuais ou a práticas do mesmo tipo, ao passo que a retórica nada tem que ver com a atividade das mãos, sendo alcançados por meio de discursos todos os seus atos e realizações. E por isso que eu considero a retórica arte do discurso, e com razão, segundo penso.
Sócrates — Será que compreendi tua definição? Daqui a pouco ficarei sabendo isso melhor. Responde -me ao seguinte: temos artes; não é verdade?
Górgias — Sim.
Sócrates — Entre essas artes, quero crer, algumas há em que predomina a atividade, podendo ser exercidas em silêncio, como se dá com a pintura, a escultura e mais algumas. São essas, segundo penso, que tu dizes não terem nenhuma relação com a retórica. Ou não?
Górgias — Apanhaste muito bem o meu pensamento, Sócrates.
Sócrates — Porém artes há que tudo realizam por meio da palavra, sem recorrerem de nenhum modo, por assim dizer, à ação, ou muito pouco, como a aritmética, o cálculo, a geometria, o gamão e muitas mais, em que os discursos se equilibram com as ações; mas, na maioria, eles predominam, de forma que toda a eficiência de suas realizações depende essencialmente da palavra. Entre essas, quero crer, é que incluis a retórica.
Górgias — É muito certo.
Sócrates — Todavia, creio que não dás o nome de retórica a nenhuma das artes mencionadas, embora tenhas dito expressamente que a retórica é a arte cuja força consiste no discurso. Se algum trocista quisesse especular com tuas palavras, poderia perguntar-te: Então, Górgias, é à aritmética que dás o nome de retórica? Porém quero crer que não denominas retórica nem a aritmética nem a geometria.
Górgias — Estás certo, Sócrates, e interpretas bem o meu pensamento.