Contraposição entre a retórica e a verdadeira sabedoria, entre o direito da justiça e o da força. Faz ressaltar a sobriedade da dialética contra os excessos da retórica. (Vale mais sofrer a injustiça que cometê-la. Contraste entre o prazer e a virtude. Hedonismo imoral de Polos e Calicles. Utilitarismo socrático. Aparece o mito sobre a imortalidade da alma. Tem uma finalidade prática e moral, apresentando a Retórica como uma arte da mentira, funesta para os indivíduos e o Estado.
Resumo de Jean Brun
No Górgias, e no livro I da República (O livro I da República forma um todo, talvez fosse até primitivamente destinado a constituir um diálogo separado: o Trasímaco — cf. A. Diès, INTR. À REPÚBLICA, p. XVIII e seg.)., Sócrates ataca aqueles que se mostraram apologistas da força. Trasímaco é um plebeu ávido e violento que se atira sobre o seu contraditor como uma fera (Rep. I, 336 o); para ele a justiça não passa do interesse do mais forte (388 c) e se alguns há que condenam a injustiça, não é por recearem praticá-la, mas porque receiam sofrê-la, e portanto a injustiça quer-se vantagem e proveito. No Górgias, Sócrates tem de discutir com Pólo — um jovem impetuoso que vê na retórica o meio de se tornar tirano, o seu ideal é Aquelau, um tirano da Macedónia que conquistou o poder e a riqueza através de crimes—, com Górgias e com Calióles. Este último é um aristocrata que detesta o povo e a democracia, afirma que as leis foram estabelecidas pelos fracos e pela multidão para sujeitar os fortes e impedi-los de manifestar a sua superioridade (483 bc). A justiça natural é, portanto, para ele o triunfo do mais forte (483 d, 488 c); é necessário alimentar em, nós as mais fortes paixões e utilizar a coragem e a inteligência em dar-lhes tudo aquilo que desejam (491 e); aqueles que elogiam a temperança são fracos incapazes de satisfazer as suas paixões (492 c). Sócrates mostra que essa distinção entre a «natureza» e a «lei» não resiste a uma análise. De fato, se a multidão impõe a sua lei igualitária, é, por conseguinte, porque é mais forte que o indivíduo, e deste modo essa justiça igualitária é a expressão de uma superioridade natural e não a de uma instituição, como pretende Cálicles. Cálicles está, portanto, fechado num círculo vicioso. Uma instituição é um fato e não é com fatos que se criticam outros fatos, só se pode fazer tal em nome de um ideal, que não é um fato em si. Por isso Sócrates põe a força do valor acima do valor da força; para ele, contrariamente a Cálicles, «é preferível sofrer a injustiça do que cometê-la» (527 b).
Estrutura do Diálogo
Segundo Monique Canto
- Gorgias e Sócrates: como definir a retórica? (449a-461b)
- Polos e Sócrates: a retórica é uma bajulação; o único bem é a justiça (461b-481b)
- Calicles e Sócrates: a força da natureza e sua injustiça (481b-506b)
- Sócrates só: a escolha de uma vida de justiça e de filosofia (506b-527e)
- Mito e conclusão
- Górgias 480a-481b — Para que serve a retórica?
- Górgias 481b-522e — A força da natureza e sua injustiça
- Górgias 482c-483a — Sofismo de Sócrates
- Górgias 483a-484c — A natureza e a lei; o direito da força
- Górgias 484c-486d — Lugar que merece a filosofia na vida
- Górgias 486d-505d — Réplica de Sócrates: pedra de toque na discussão
- Górgias 488b-491d — Análise da noção de superioridade
- Górgias 489e-491a — A inteligência não é o princípio
- Górgias 491a-491d — Nem a inflexível vontade do homem de Estado
- Górgias 491d-500a — Análise da noção de autoridade
- Górgias 492d-494c — Escolha entre ascetismo e moderação
- Górgias 494c-495e — Distinção entre desejos e prazeres
- Górgias 495e-499b — Prazer não é idêntico ao bem, nem o sofrimento ao mal
- Górgias 499b-500a — Bem não se identifica ao útil
- Górgias 500a-500e — Dois gêneros de vida: o que dá prazer e o que vale à pena
- Górgias 500e-501d — Retorno à bajulação
- Górgias 501d-502d — Poesia e eloquência
- Górgias 502d-503d — Retórica e política
- Górgias 503d-504d — Importância da ordem, do arranjo e da proporção
- Górgias 504d-505d — Dever do orador