Hadot (Enéada III,5,9,6-23) – O Jardim de Zeus e o néctar

O que é, então, este jardim de Zeus, que é o jardim do Espírito (Enéada III, 5, 9, 8-14)? Retomando uma expressão de Tucídides (II, 62, 3) que identifica jardim e ostentação de riqueza, Plotino sugere que o jardim do Espírito só pode ser aquele que recebe esse brilho, essa abundância, essa profusão de riqueza (Poros) que irradia do Espírito para o exterior. Este esplendor é, em última análise, identificado com os logoi que vêm, que fluem do Espírito para a alma (9, 10-14).

Embora Plotino não o diga explicitamente, o jardim é assim identificado com a alma que recebe esses esplendores do Espírito, que são os logoi, e, portanto, com a alma iluminada pelos logoi. Quanto aos esplendores do jardim (identificados com os logoi), eles coincidirão com a figura de Poros: Poros será o conjunto dos logoi, essa manifestação de riqueza (ploutos) e de abundância (euporia) (9, 14-16) que tem lugar no jardim de Zeus, ou seja, na alma, adornada pelos logoi.

E Poros identificar-se-á mais uma vez com o néctar. O néctar é a bebida dos deuses. É, portanto, o que as realidades divinas obtêm para si próprias. Mas para as realidades divinas que se rebaixaram a um nível inferior do Espírito, isto é, para a alma, o néctar não é outra coisa senão logos (9, 16-18), isto é, o que flui do Espírito.

Embriagam-se com o néctar (9,16) porque, como vimos (9,4-5), a embriaguez é o símbolo de uma plenitude recebida do exterior. O Espírito não precisa dessa embriaguez (9, 18-19), porque está em saciedade (segundo a etimologia Kronos = koros, cf. nota crítica 298) e não admite nada que venha de fora. Produz por si mesmo as Formas que o constituem como Espírito.

O logos, pelo contrário, tem necessidade disso, porque é uma realidade que se rebaixou abaixo do Espírito (cf. 9, 17-18), uma vez que é, como dissemos, o ato exterior do Espírito e, portanto, como diz Plotino, algo que o Espírito gerou (gennema, 9, 20), uma hupostasis (9, 20), isto é, um produto substancial que está a um nível inferior ao do seu produtor. Ao irradiar para fora do Espírito, o logos perdeu a principal qualidade do Espírito, a de ser ele mesmo (9, 20); já não é Espírito dentro do Espírito, mas, tendo saído do Espírito, deve ser encontrado noutra coisa que não ele, isto é, no jardim de Zeus (9, 21). Plotino (9, 21-23) implica que este jardim de Zeus é a alma, insistindo no fato de que Poros (o logos), segundo Platão (Banquete, 203 b), está estendido (9, 21, cf. 9, 2 e nota crítica 279) no jardim de Zeus no momento do nascimento de Afrodite. De fato, é, em certo sentido, esta vinda de Poros à alma, do logos à indeterminação, que provoca a determinação de Afrodite, isto é, o seu nascimento.

Em suma, os diferentes elementos do mito correspondem a um pequeno número de entidades metafísicas. Zeus é o Espírito da alma; Afrodite, a alma do mundo; o jardim de Zeus, a alma que recebe os logoi; néctar e Poros, o logos; Penia, a indeterminação da alma; Eros, o Amor, ou seja, o logos nascido da mistura entre o logos superior e a indeterminação. No final, é apenas o Espírito, a alma do mundo, cuja indeterminação ganha forma, medida e limite através do logos que vem do Espírito e, finalmente, do amor daimon que provém desse encontro.

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