Amor filho de Pobreza e Expediente

O Sócrates do Banquete (203 b-c) conta o relato que lhe fez a sacerdotisa Diotima, do dia que os deuses do Olimpo celebrando o nascimento de Afrodite, a dama Pobreza (Penia) compartilhou alguns restos de néctar com o vagabundo Expediente (Poros1 De seu furtivo casamento nasceu este Eros que Plotino descreve como um insaciável semideus, “razão advinda nisto que não é razão” (Tratado 50) aspiração sem repouso para impossíveis satisfações, gosto de uma vagabundagem que no entanto pode conduzir o amante nas vias do que Platão (Filebo 30 c-d) denominava a “Alma real de Zeus”, muito próximo da Inteligência para que se possa descrevê-la como já repousando no jardim dos deuses (III,5 9).

A este nível, pelo menos filho adotivo da Afrodite “celeste”, nascida ela mesma de Uranos ou de Cronos2, figura desta Alma, que por intermédio da Inteligência, procede do Princípio único de toda fecundidade, não é certamente o filho de Pobreza, “sem leito, sem sapatos e sem casa” (Eneada-III-5), todas as fórmulas vindas do Fedro e do Banquete, mas todavia o amante deste Psique que, por uma espécie de sublime incesto, se une a seu genitor para se tornar ela mesma a Afrodite celeste. Relendo o grande Tratado-8 não esqueçamos no entanto que esta ascensão erótica permanece frágil, constantemente ameaçada de quedas (Eneada-VI, 9, 9).


  1. Significando a princípio passagem, meio de acesso, esta palavra designa em seguida uma espécie de “jeitinho”). 

  2. Plotino se preocupa tão pouco de uma mitologia tomada por puro símbolo que se vê aqui, e muitas vezes, hesitar entre a pessoa do pai e aquela do avô.