Excertos de Martin Heidegger, PARMÊNIDES
A dominação dos romanos e sua transformação do helenismo no modo latino não se limita, entretanto, de nenhuma forma, a instituições individuais do mundo grego ou a atitudes individuais e “modos de expressão” da humanidade grega. Nem a latinização do mundo grego pelos romanos se estende, simplesmente, à soma de cada coisa apropriada por eles. O decisivo é que a latinização ocorre como uma transformação da essência da verdade e do ser no interior do domínio da história greco-romana. Essa transformação tem a característica de que ela permanece escondida e, entretanto, determina previamente tudo. Esta transformação da essência da verdade e do ser é o genuíno evento na história. O imperial como modo de ser da humanidade histórica não é, no entanto, a base para a transformação essencial da aletheia para a veritas como rectitudo, e sim, sua consequência, e, como tal, é a possível causa e ocasião para o desenvolvimento do sentido do correto. Falar da “transformação da essência da verdade” é, naturalmente, apenas, um expediente de emergência; pois é ainda falar da verdade num modo objetivante, para além e contra o modo como ela própria se torna presença e “é” história. A transformação da essência da verdade suporta, ao mesmo tempo, aquele domínio no qual os nexos, historiograficamente [historisch] observáveis da história [Geschichte] ocidental, estão fundados. Por isso, também, o estado histórico de mundo, que chamamos de idade moderna, seguindo a cronologia historiográfica, está fundado no evento da latinização da Grécia. O “renascimento” da antiguidade, concomitante com a irrupção do período moderno, é prova inequívoca disso. Uma consequência mais distante, mas de forma alguma indiferente, da latinização da cultura grega e do renascimento latino da antiguidade é o fato de que, ainda hoje, vemos a cultura grega com olhos romanos, e isso não somente no interior da pesquisa histórica do mundo grego, mas sim – o que é decisivo – no diálogo histórico metafísico do mundo moderno com o dos antigos. A metafísica de Nietzsche, a quem gostamos de considerar como um moderno redescobridor da Grécia antiga, vê o “mundo” grego exclusivamente de modo romano, isto é, de um modo ao mesmo tempo moderno e não-grego. Similarmente, pensamos ainda a polis grega e o “político” numa compreensão totalmente não-grega. Pensamos o “político” como romanos, isto é, imperialmente. A essência da polis grega jamais será apreendida no círculo de visão do “político” entendido de modo “romano”. Tão logo voltamos nosso olhar para os âmbitos essenciais na sua simplicidade, os quais, para o historiógrafo, não têm naturalmente nenhuma consequência, pois não chamam atenção nem causam rumor – âmbitos nos quais não se dá nenhuma escapatória -, então, mas somente então, experimentamos que nossas representações fundamentais usuais, ou seja, as latinas, cristãs, modernas, falham miseravelmente em apreender a essência primordial da Grécia antiga.