A obra de Heráclito teria tido por título Da Natureza, título habitualmente utilizado pelos filósofos pré-socráticos ou ao menos frequentemente atribuído às suas obras. É provável que Heráclito, como os antecessores, quisesse apresentar um quadro explicativo dos diferentes fenômenos que o homem pode observar no universo. O que a este respeito nos resta dos textos de Heráclito levanta o problema de saber se as suas explicações se devem tomar à letra, sublinhando o seu carácter pré-lógico e pré-científico, como faz F. M. Cornford.
Diz-se que a natureza «gosta de se esconder» (fgt. 123), e sabe-se que a obscuridade de Heráclito era consciente. Estamos, por conseguinte, perante especulações difíceis de compreender, sobre um assunto que é em si mesmo reservado. As interpretações são necessárias, mas não é fácil saber a partir de que momento correm o risco de se afastar do objeto a que se referem. A ideia central da física é a do ciclo e harmonia dos contrários. O movimento para baixo é o do fogo que origina o mar; deste nascem em duas partes iguais, por um lado, a terra, por outro, as trombas de água. Quando o relâmpago fulmina, assiste-se a uma precipitação de chuva mais violenta e, no que diz respeito ao mar, Heráclito devia ser testemunha do assoreamento do porto de Éfeso, diante do qual o mar recuava pouco a pouco. O movimento inverso, que começa em baixo para atingir o cume, faz voltar a terra à água e a água ao fogo, por intermédio das exalações secas que alimentam os astros, sobretudo o Sol. Porque as exalações constituem o princípio mais incorporai de que as coisas são constituídas, princípio que está em fluxo perpétuo. Reencontramos na explicação física de fenômenos atmosféricos o tema não só do ciclo e união dos contrários mas ainda da divisão da unidade segundo o múltiplo e do regresso do múltiplo ao Uno primitivo.
Em astronomia, parece que Heráclito conheceu o movimento da Lua e do Sol, bem como o trajeto dos planetas na elíptica, cuja inclinação possivelmente conheceu. Se, paradoxalmente, afirma que o dia e a noite são uma e a mesma coisa, é porque cada um deles engendra o outro, segundo o ritmo dos dias, ritmo que ilustra o tema da harmonia dos contrários e do ciclo.
Em definitivo, o essencial do pensamento de Heráclito não reside nas explicações que deu dos fenômenos naturais e que naturalmente fazem parte das ideias caducas, pertença da pré-história da ciência. O essencial do pensamento de Heráclito reside nas ideias que orientam tais explicações e que nascem da visão trágica do mundo, que comanda a sua concepção do Logos, do Devir e da Harmonia dos contrários.
Heráclito caminha para nós, portador de uma Mensagem que nos liga à sua proveniência e que as interpretações jamais conseguirão esgotar. (Jean Brun, “Pré-Socráticos”)