Jâmblico e Porfírio sobre a composição, a geração e o destino último do veículo

Jâmblico discorda de Porfírio sobre o “veículo da alma” sobre três pontos: a composição, a geração e o destino final.

A composição do veículo seria de uma série de misturas (phyramata) coletadas das esferas celestiais. Jâmblico em seu comentário ao Timeu afirma que o veículo é feito de “pantos tou aitheros” (do éter ele mesmo e não de vários corpos etéreos) e que este éter tinha um poder criativo.

A geração do veículo, associada a sua composição, é originária segundo Jâmblico “dos deuses eles mesmos, que organizam o cosmos e desempenham todos seus atos eternamente”; o veículo é mutável por sua própria natureza. A geração, segundo Jâmblico, se dá sem qualquer perda de substância para os deuses celestiais e sem ter sido coletada deles. Ou seja, o Demiurgo ele mesmo produz o veículo, como posteriormente afirmado por Proclo. O veículo é assim “de alguma forma auto-constituído” e não criado por subtração (aphairesis) de outros a fim de que não requeira dissolução (anakysis) de volta em um outro” Proclo, Comentários ao Timeu).

A posição de Jâmblico a respeito da geração não deixa claro se ele aceita a crença que a alma em sua descida para encarnação acumula vestimentas (periblemata), embora reconheça no De Misteriis que a alma receba um acúmulo de “pneumata” hílicos, especialmente as alma impuras; onde estes pneumata decorrem de associações com demônios e heróis. Jâmblico parece defender certa separação entre deuses e seres humanos, entre deuses celestiais e alma encarnada.

Jâmblico não rejeita a interação entre deuses celestiais e veículo, porém afirma que a origem do veículo não é dos deuses celestiais. Os veículos seriam procedentes e formados pelo zoai theitai, princípios generativos irracionais dos deuses cósmicos; ou seja de zoai benéficos e não dos pneumata do De Mysterii.

Jâmblico diferencia entre o que a alma tem de si mesma e o que recebe de fora. A alma tem certas vidas adquiridas (epiktetoi tines zoai), algumas das quais são de natureza similar à alma e outras inferiores às medidas apropriadas da alma. A alma também projeta vidas a seu redor e aceita outras do corpo físico ele mesmo. Nesta mesma passagem (fragmento em Simplício), Jâmblico discute a descida da alma dos céus para o corpo físico, demonstrando que ela acumula várias vidas, poderes e (finalmente) corpos orgânicos. Qual é o papel destas entidades adicionadas?

De acordo com Em Timeu Fr. 84, o veículo pneumático ganha forma (morphoumenon) pelas vidas divinas. No frag. 49 do Em Timeu se afirma que o veículo é esférico, uma forma muito própria ao auto-movimento e intelecção da alma. O Demiurgo criou o veículo e deixou aos deuses cósmicos para formá-lo em uma esfera? Parece absurdo. Parece que estes zoai re-formam o veículo esférico. Esta espécie de formação que é feita não é explicada. Parece provável, entretanto, que as vida divinas entram no veículo e promovem atividades racionais da alma. (Estas seria as vidas adquiridas que são de natureza similar para alma). Outras vidas, tais como na passagem de Simplicius se denominam “inferior às medidas apropriadas da alma”, seriam irracionais e distorceriam a atividade racional normal da alma pura.

Dois diferentes estágios na vida da alma. Primeiro, há a alma racional ela mesma existindo por si mesma. Segundo, há a alma racional em um corpo. Jâmblico refere-se a isto como a vida dupla. Somente as vidas e os poderes inatos pertencem à alma racional. É a vida compósita da alma e corpo que as vidas e os poderes racionais e irracionais atém-se eles mesmos. Assim quando Jâmblico diz que os poderes estão presentes de um modo à alma racional e de outro modo ao compósito alma e corpo, ele quer que eles são essencialmente conectados à alma racional, mas somente adquirido pelo compósito. Como Jâmblico diz que a passagem de Simplicius, as vidas, poderes, e corpos estão separados da essência da alma.

A “vida comum” ela mesma envolve duas partes: o veículo e o corpo corporal. Assim, o veículo recebe vidas e poderes de diferentes lugares no cosmo, é claro que pode receber corpos corporais só na região sublunar onde a matéria existe. A alma, entretanto, se torna mais e mais material em sua descida.

A concepção de Jâmblico é similar àquela que Proclus dá em “Elementos de Teologia” (209): o veículo desce e reúne kitones que se torna mais e mais material quanto mais baixo desce; a alma “desce recebendo zoas irracional e ascende removendo todo sua genesiourgous dynameis que são postas ao redor de si em sua descida”.

Jâmblico também crê que os poderes, vidas e corpos seriam postas a parte na ascensão da alma ao um lexis superior.

A teoria de Jâmblico sobre as vestimentas reunidas durante a descida da alma pode assim se compreendida, abandonando as crenças de seus predecessores (em De Anima ele descreve um grupo de filósofos que sustentam que os envelopes, etéreos, celestiais e pneumáticos são ligados à alma racional (noera zoe) e a servem como veículos.

J. arguiria que estes envelopes não são veículos mas, ao invés, são vidas, poderes e corpos ligados ao veículo etéreo ele mesmo. Assim para J. o veículo ele mesmo é etéreo, pega seus “envelopes” das vidas e poderes no universo, e finalmente ele atrai alguns “estranhos pneumata” da região sublunar.

O último ponto de desacordo entre Jâmblico e Porfírio é a respeito do destino último dos veículos. Jâmblico, de acordo com Em Timeu, crê que tanto o veículo quanto a alma irracional sejam imortais. Algumas passagens de seu De Anima ajuda a esclarecer que está em consideração.

No De Anima I, J. afirma que “aqueles ao redor de Plotino e Porfírio”dizem que certos poderes irracionais (dynameis) são projetados (proballesthai) em cada parte do universo. Eles também afirmam que as vidas (zoai) assim projetadas “são liberadas e não mais existem”. J. ele mesmo crê que “mesmo estas existem no universo e não são destruídas”.

A menção de dinameis e zoai é reminiscente da passagem de Simplicius referida acima. Essa passagem tratava da adição de dynameis e zoai durante a descida da alma através do cosmo. A passagem do De Anima trata do se desfazer delas durantes a ascensão. Na passagem de Smplicius, J. Afirma que a alma se desfaz delas (apotithetai) assim que muda de posicionamento. No De Anima se vê que tanto Porfírio quanto Jâmblico estão de acordo que os poderes e vidas irracionais são liberados da alma, mas Porfírio pensa que eles cessa de existir enquanto J. defende que continuam a existir no universo.

Mais luz é dada neste assunto no De Anima I. Aqui é dito que “aqueles ao redor de Plotino” separavam os poderes irracionais da para racional (logos). Estes filósofos acreditavam seja que ps poderes irracionais são lançados na geração ou que são tomados da faculdade do pensamento discursivo (dianoia). Esta visão pode ser interpretada de duas maneiras. A primeira interpretação, Jâmblico diz, é de Porfírio: “cada poder irracional (dynamis) é liberado dentro da vida integral do universo do qual partiu, onde tanto quanto possível cada um permanece imutável (ametabletos)”. A segunda maneira de interpretar é de Jâmblico ele mesmo: “toda a vida irracional, tendo sido separada do dianoia permanece e é ela mesma preservada no cosmos.

Tanto Festugière e Smith notaram a aparente inconsistência na posição de Porfírio como dada por Jâmblico em duas passagens. Estes autores modernos citam o comentário do Timeu de Proclo como uma ajuda à compreensão das crenças de Porfírio. Proclo coloca Porfírio diretamente entre aqueles que dizem que o veículo e a alma irracional são mortais (Atico e Albino) e aqueles que dizem que são imortais (Jâmblico). Porfírio, de acordo com Proclo, nega que o veículo e a alma irracional são destruídos mas defende que são quebrados em seus elementos (anastoikeiousthai) e dissolvidos de certa maneira nas esferas das quais obtiveram sua composição, e que estas misturas (phyramata) são das esferas celestiais e a alma as coleta durante sua descida de modo que elas (as mistura) tanto existem e não existem, e que cada uma desta separadamente (ekasta) não mais existe nem sua individualidade (idioteta) resta.

Para Porfírio, o veículo e a alma irracional foram feitos de partículas das esferas celestiais e seu destino último era retornar ao cosmos. As misturas são dissolvidas mas ainda existem separadamente da alma.

A visão de Jâmblico é mais complexa. Em resposta à Porfírio, Jâmblico afirma (In Timaeus) que o veículo e a alma irracional são imortais. Além do mais, como o veículo não é feito de misturas mas é criado por inteiro, ele continuará a viver como um todo depois de sua separação da alma. A alma irracional imortal e o veículo imortal no qual está hospedada recebem várias vida e poderes do cosmos. Quando a alma ascende para o Mais Alto “lexis”, estas vidas e poderes são postos de lado. A mudança em lexis é a mudança de alma incorporada, cósmica para alma desincorporada, hipercósmica. O “pôr de lado”, portanto, é a separação da alma racional de seu veículo e alma irracional. As várias vidas e poderes não são largados no universo de modo que sejam separados e em certo sentido não-existentes (cessando de existir como entidade singular). Ao invés, são separados da alma racional mas subsistem dentro do veículo e alma irracional, os quais eles mesmos continuam a existir no cosmos.

Este é o “novo pensamento” de Jâmblico. As vidas e os poderes são liberados mas não dispersos. Este é também o ensinamento dos sacerdotes. Onde Porfírio errou, na opinião de Jâmblico, foi em pensar que cada poder (ekaste) retornou separadamente ao cosmo. Para J., a totalidade da vida irracional permanece e é preservada (como uma entidade completa) no cosmo.

Há outro ponto que vale notar. Porfírio arguiu que a alma irracional foi dissolvida e no entanto permaneceu. J. parece ter tido esta frase curiosa na mente quando arguiu que o veículo seria mutável em sua própria natureza se fosse criado somente de corpos divinos. Em outras palavras, J. estava dizendo que o veículo (e a alma irracional e os poderes nela) podem permanecer se o veículo é criado por causa imovíveis.

Depois de citar estas três passagens do De Anima e de Proclus, Smith resume a diferença entre as visões de Porfírio e Jâmblico como segue. A diferença pode

ser traçada precisamente ao modo no qual a alma irracional sobrevive. Para J. toda alma irracional sobrevive enquanto para Porfírio há uma espécie de dissolução dos poderes componentes que de algum modo continuam a existir em um estado separado. Claramente a personalidade irracional integral como caracterizada na alma irracional tem grande significado em J..

A questão que fica é porque deveria J. insistir na imortalidade do veículo e da alma irracional? Proclus sugere uma possibilidade: que o veículo deve sobreviver ao corpo para que as almas façam uso dele no Hades (Fedon). Há, entretanto, outra possibilidade.

Em um capítulo de seu De Anima J. discute a recompensa da alma (epikarpia). Através deste capítulo, J. está lidando com a partida da alma do corpo e a separação da alma racional do veículo. Duas vezes neste relato, J. toca nas crenças de Porfírio sobre a alma irracional. Embora ambas as passagens estejam com lacunas, ajudam a explicar porque J. pensou que o veículo era imortal.

A primeira passagem aparece em uma seção concernente ao que pertence à alma racional ela mesma. Esta passagem está dividida em duas comparações entre os antigos e Porfírio. Os antigos aqui representam a opinião de J.. Na primeira comparação, os antigos dizem que a alma racional tem “uma disposição similar aos deuses em intelecto e uma carga (prostasia) sobre as coisas aqui (i.e. No reino da geração). Em contraste Porfírio não permite que as almas desencarnadas têm tal autoridade sobre o reino.

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