A atividade filosófica de Platão preenche toda a primeira metade do século IV. Nasceu Platão em Atenas no ano 427 e morreu aos oitenta anos, em 347, sem que interrompesse até a morte sua produção filosófica e seu ensino na Academia, no caminho de Eleusis, junto ao rio Censo, nos arredores atenienses. Platão absorveu o discipulado socrático e o levou à maturidade de uma metafísica que em Sócrates não existiu efetivamente. A investigação da verdade mediante o diálogo entrecortado de perguntas e respostas, que havia caracterizado a ação filosófica de seu mestre, foi convertida por Platão no método mesmo da filosofia — a dialética — e no gênero literário em que realizou sua obra — o diálogo —. Como é bem sabido, a filosofia platônica emerge da figura e doutrina de Sócrates, nos escritos juvenis, para pouco a pouco ir cobrando independência e converter-se em um pensamento autônomo; mas sempre, salvo nas Leis, Platão conserva a presença de Sócrates em seus diálogos, e o faz porta-voz de sua própria filosofia.
Platão, o inimigo da sofistica, que afirma os direitos da verdade frente a toda retórica, levou no entanto o bem dizer a uma altura nunca alcançada nos sofistas. É, seguramente, o primeiro prosista grego; porém, advirta-se que o supremo valor literário de Platão reside em que não é apenas literatura, e que sob seus mitos maravilhosos pulsa nada menos que toda uma metafísica. É isto que confere sua surpreendente grandeza aos diálogos platônicos, e não a simples destreza de escritor que, ademais, possui em grau eminente. Platão possui um prodigioso dom da palavra; soube encontrar os termos e as metáforas necessárias para expressar um pensamento novo, de incomparável riqueza e profundidade. Em suas mãos, a língua grega adquire uma perfeição desconhecida, o que torna possível uma enorme expansão das possibilidades filosóficas helênicas. Desde então, a metafísica contará plenamente com o instrumento adequado para sua realização.
A ideia que Platão tem do homem depende de sua descoberta filosófica capital: a teoria das ideias. A verdadeira realidade não está nas coisas; estas são só por participação das ideias, e estas, entes metafísicos supra-sensíveis e universais, são o verdadeiro ser, o ontos on. É a ideia, pois, que faz com que as coisas sejam o que são; o mundo que temos ante os olhos, o mundo visível, torna-se desqualificado, e se lhe opõe outro mundo, inteligível, superior, composto pelas ideias, onde reside a verdadeira realidade. Pela primeira vez aparece na filosofia grega, de um modo central e explícito, á doutrina dos dois mundos. As coisas remetem às ideias, e há uma referência constante de um ao outro. Assim, ao interpretar o fato do conhecimento, Platão verá nele uma anamnesis, uma reminiscência ou lembrança das ideias, vistas pelo homem em uma vida anterior e celestial. Decorre daí toda a antropologia platônica.
Em primeiro lugar, Platão assume uma posição dualista, que retoma antecedentes pitagóricos evidentes: há alma e corpo, e deve-se tratar de ambos separadamente, mas ao mesmo tempo de sua união no ente humano. Por outro lado, o homem é uma coisa, que como as demais participa de uma ideia; mas sua relação com o mundo destas não se esgota na mera dependência ontológica: o homem viu as ideias, e só isto lhe confere sua humanidade; há, portanto, um modo superior e mais profundo de participação. Esta vinculação do homem à realidade ideal explica a teoria platônica da alma e de sua encarnação corpórea. E, finalmente, a doutrina da imortalidade da alma e de sua referência ao divino procedem desta interpretação do ser humano a partir das ideias.
Platão cinde, pois, o estudo do homem, e aborda a compreensão de sua realidade somática, em princípio de um modo independente da psíquica. Possui uma íntima relação com o trabalho das escolas gregas de medicina, e inclusive a questão da enfermidade é proposto de um modo temático. Por outro lado, se refere à alma como realidade autônoma e subsistente, radicada no divino, imortal como ele e definida pela capacidade de alcançar seu conhecimento. Isto tornou possível a utilização da antropologia platônica no pensamento cristão; sobretudo em Santo Agostinho, e posteriormente em toda a Escolástica anterior ao século XIII, momento em que a influência platônica cede — em parte — ante a aristotélica.
A melhor edição do texto grego das obras de Platão é a de John Burnet (Oxíord). Há outra boa edição, com tradução francesa, na Coleção Guillaume Budé. A bibliografia platônica é extraordinariamente copiosa. Um livro antigo, mas ainda útil, é o Plato de Grote (4 vols.); entre as obras mais modernas se podem consultar: C. Ritter, Platon (1910-1923); U. von Wilamowitz-Möllendorf: Platon (1919); A. Diès: Autour de Platon (1927); Leon Robin: Platon (1935).