No século III de nossa era, já no final do mundo helênico, aparece a pujante escola neoplatônica, o último esforço da mente grega para dar uma interpretação metafísica da realidade a partir de seus próprios pressupostos. Plotino (204-270) foi o grande mestre deste período. Nascido no Egito, convertido em chefe de escola e homem importantíssimo na própria Roma, desenvolve uma vida estranha, misteriosa e ascética, que lhe confere enorme prestígio. Sua obra, zelosamente conservada por seus discípulos, foi dividida por Porfírio em seis grupos de nove livros, chamados por esse motivo Enéadas. Sua influência foi extraordinária em toda a Idade Média, especialmente desde Santo Agostinho até São Boaventura, e mais tarde em todas as correntes de pensamento determinadas pelo misticismo.
Plotino remete-se, em primeiro lugar, a Platão: os platônicos, era o nome que se dava a si mesma a escola que chamamos neoplatônica. Mas ao mesmo tempo retoma a especulação aristotélica e a das filosofias helenistas; surgem freqüentemente em suas páginas alusões aos peripatéticos, aos epicureus e aos estóicos. E, sobretudo, o pensamento plotinia-no está determinado pela presença próxima do cristianismo. A rigor, em Plotino a mente grega se atreve, pela primeira vez, a pensar o mundo como algo produzido; sob a pressão da idéia cristã da criação, o mundo aparecerá como algo cujo ser foi produzido pela Divindade — o Uno —; o pensamento helênico, porém, não é capaz de enfrentar-se com o nada; e daí seu conceito de emanação e, em última análise, o panteísmo. A metafísica emanentista de Plotino é a tentativa de pensar a criação sem o nada, isto é, a reação mental grega frente aos novos pressupostos, que decorrem do primeiro versículo do Gênese.
Plotino, que retoma a antropologia platônico-aristotélica, acentua energicamente o caráter peculiar da vida e, sobretudo, a posição intermédia do homem, sua constante referência ao mais alto, sua capacidade de alcançar o divino, a possibilidade, inclusive, de que a alma se separe do corpo, ainda nesta vida — o êxtase —, para elevar-se à esfera superior, na qual alcança sua felicidade. Tudo isto animado de um espírito extraordinariamente vivo, cuja influência filosófica e religiosa foi tão eficaz como, por vezes, perigosa. O pensamento cristão acerca do homem nutriu-se durante séculos da especulação neoplatônica, e teve ao mesmo tempo que bordejar o constante risco de panteísmo que a ameaça.
Entre as muitas passagens das Enéadas onde Plotino se refere com singular penetração e agudeza ao homem, escolhi as que me pareceram mata características e ao mesmo tempo mais expressivas quando tomadas isoladamente. Mas é preciso acentuar aqui, muito especialmente, o sentido puramente antológico desta seleção.
Para a tradução me servi da excelente edição de [:227|E. Bréhler (Paris, 1924-38)]. Sobre Plotino pode-se consultar: J. Simon: Histoire de L’école D’ Alexandrie (1845); Th. Whittaker: The Neo-Platonists; a study in the history of Hellenism (1901); W.R. Inge: The Philosophy Of Plotinus Vol I e The philosophy of Plotinus … (Volume 2) (1918); P. Helnemann: Plotin (1921); E. Bréhier: La philosophie de Plotin (1928). Uma atitude interessante ante a figura de Plotino pode ser encontrada na antiga conferência de Brentano entitulada Was für ein Philosoph manchmal Epoche macht (1876), publicada em Die vier Phasen der Philosophie, págs 33-59.