kakon

kakón: mal

1. Antes de Sócrates fazer da ética um assunto do discurso filosófico as considerações sobre o bem e o mal tinham sido apanágio dos poetas e dos legisladores. Mas a consciência crescente do relativismo moral e a asserção feita pelos sofistas, do caráter puramente arbitrário da lei (nomos) levaram Sócrates a procurar padrões absolutos de conduta moral.

2. Porém, a ênfase socrática é posta na virtude (arete) e no bem (agathon). De fato, do seu ponto de vista intelectualista parecia não ser possível existir o mal, visto que ninguém erra voluntariamente, mas por ignorância (Aristóteles, Ethica Nichomacos VII, 1145b). Platão continuou nesta tradição com as suas longas discussões sobre a possibilidade do juízo falso (ver doxa).

3. Mas havia também novas considerações. Platão está mais consciente do elemento volitivo e admite que a alma pode provocar tanto o bem como o mal (Leis 896d; confrontar Teeteto 176a e ver psyche), e o processo de hipostasiação (v. hypostasis) que o levou a converter as definições socráticas em realidades ontológicas sugere, num lugar pelo menos, a existência de um eidos do mal (Republica 416c). Isto está talvez em consonância com, ou pelo menos é explicável, no contexto das origens éticas da teoria dos eide, mas a asserção, nas Leis 896e, de que há uma Alma do Mundo (psyche ton pantos) tanto do bem como do mal, vai desencadear o dualismo ético, universal no primeiro Platão ao nível do corpo e da alma, até ao estádio cósmico, talvez resultado de crescentes contatos com a tradição iraniana.

4. Aristóteles rejeita tanto o eidos do mal como a Alma do Mundo do mal na Metafísica 1051a. A doutrina aristotélica típica associa o mal moral com o excesso como um correlato da sua teoria do «meio» (ver meson). Na Ethica Nichomacos 1106b Aristóteles cita com aprovação o juízo pitagórico com isto relacionado de que o mal deve ser identificado com o indeterminado (apeiron, confrontar a «Tábua dos Opostos» pitagórica na Metafísica 986a, e ver kinoun 2).

5. Na filosofia pós-aristotélica foram exploradas as implicações tanto das posições platônicas como das aristotélicas. Os epicuristas, com o seu sensualismo direto, ficaram um tanto à parte: todo o mal pode ser equacionado com a dor (algos, ponos) quer do corpo quer do espírito (D. L. X, 128; ver hedone), e a sua existência não levanta nenhuns problemas teológicos dado que os deuses não se preocupam com o mundo (D. L. X, 123-124). Mas para os estoicos e a sua doutrina da providência (pronoia) o mal é mais do que um problema: como explicar a presença do mal num universo governado por um Deus sumo-bem? Uma sugestão (a sua história foi venerável) foi que o mal é instrumento de Deus para educar e castigar os homens (Plutarco, De Stoic. repugn. 1040c; Seneca, De prov., passim). A outra apoiava-se na natureza orgânica do Universo como um todo: «Todas as coisas concorrem para o bem» (Plutarco, op. cit. 1050e; Séneca, Ep. 74, 20). Mas há outra possibilidade, a introduzida por Platão nas Leis e que admite abertamente a existência de um princípio do mal, subsistente e radical, quer teísta como nas Leis e no zoroastrismo iraniano (assim Plutarco, De Iside 46, 48), quer metafísico, v. g. a matéria.

6. Tanto os pitagóricos como Platão tinham, como acima foi salientado, admitido o indeterminado (apeiron) como um co-princípio do ser, e os primeiros pelo menos tinham-no identificado com o mal. Aristóteles equacionara-o com o seu princípio material (hyle) mas não conseguira tirar a conclusão de que a matéria e o mal são em certa medida sinônimos. Há, evidentemente, algumas alusões a isto tanto em Platão (Pol. 273b; Timeu 68e) como em Aristóteles (De gen. anim. IV, 770b: a matéria resiste à forma), mas a exploração das qualidades éticas da matéria continuou com os filósofos posteriores.

7. O monismo estoico (e epicúrio) tendeu mais a obscurecer do que a esclarecer a problemática da matéria mas havia outras forças em causa. Havia, por um lado, o interesse neopitagórico no Timeu que serviu para reforçar a equação da chora platônica com a hyle aristotélica (assim Moderato citado em Simplício, In Physica pp. 230-231). Por outro lado, e ainda mais importante, havia o crescimento da tradição oriental do dualismo ético cujo testemunho mais importante é o De Iside de Plutarco, e que encontrou o seu natural aliado filosófico na dicotomia eidos/hyle de Aristóteles. Na época de Numênio, o mal (kakon, malum) é firmemente identificado com a matéria (hyle, silva) e a posição foi sustentada por uma série de seitas gnósticas (ver Corpus Hermeticum I, 1, 4-5).

8. Plotino, que se opôs ao ponto de vista gnóstico do universo e, de fato, a qualquer tipo de dualismo, foi contudo afetado pela identificação da matéria com o mal. A sua solução para o problema do mal desenrola-se dentro de limites estritamente controlados. Primeiro, não é uma questão de dualismo: a matéria é gerada a partir do Uno sob a forma da «Alteridade» (Enéadas II, 4, 5). Isto refere-se primeiro e principalmente à matéria inteligível (hyle noete; ver hyle; Proclo duvida se esta devia sequer ser chamada matéria: Theol. Plat. III, 9) que é sempre definida e daí a possibilidade do mal no kosmos noetos ser excluída (Enéadas I, 8, 2). Sobre a questão da matéria sensível (hyle aisthete) Plotino, enquanto admite que ela é a causa do mal (I, 8, 4), tem dificuldade em salientar que ela não é uma substância mas uma privação (steresis), a ausência de qualquer bem (I, 8, 11).

9. Proclo opõe-se a isto numa série de escritos: não vê como uma privação, que é essencialmente uma negação, possa ser causa seja de que for (De mal. subst., p. 240) e assim prefere regressar à posição platônica (e mais voluntarista) que a alma é a causa do mal, ou para pôr a questão de outro modo, que o mal no kosmos é moral e não metafísico (op. cit., p. 233).

Sobre o «pecado original» como fonte do mal, ver kathodos. [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]