gr. θυμός, thymós: energia da vida ela mesma. Presença crua em nós senciente e emotiva; o poder massivo de nosso ser emocional. Acima de tudo é a energia da paixão, do apetite, da aspiração, do anseio. (Kingsley)


θύµoζ. Barthélemy Saint-Hilaire : sentiment de cœur. J’ai tâché de rendre dans notre langue ces nuances si délicates ; mais je ne me flatte pas d’y avoir toujours réussi (note du traducteur). Nous adoptons le terme emportement de la traduction de Gauthier-Jolif. Voilquin : ardeur de la sensibilité; Tricot: impulsivité. (Saint-HilaireEN)


thymós: espírito, animus ver noûs, psyche, kardia. (Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters)


gr. thymós: espírito, animus; ver noûs, psyche, kardia. gr. epithymía: desejo, ardor. Thymos significava originalmente o lugar individual da emoção, o coração, o desejo. A tradução frequente por alma não lhe dá todas as nuances. No Timeu, Platão fala de subespécies da espécie mortal da alma humana: thymos e epithymia. O thymos recolhe a esperança e a coragem, enquanto a epithymia é propriamente o desejo sexual e o desejo de alimentar-se.


A expressão “elemento irascível” (thymoeides) certamente cobre toda uma gama de estados emocionais, da pura raiva, por um lado, aos sentimentos de coragem nobre, auto-respeito e auto-defesa, por outro. É a exploração que Platão faz destes significados diferentes que dá a sua discussão do termo irascível qualquer plausibilidade que ele tenha. Em seu relato sobre Leontio, por exemplo, é o “irascível” como equivalente à raiva que é enfatizado (República 439E6ss.), mas, em outros casos, o “irascível” como auto-afirmação e auto defesa é sublinhado, de acordo com a analogia política (thymos tem basicamente dois sentidos, um indistinguível do epithymetikon, o outro do logistikon). (T.M. Robinson, A Psicologia de Platão)


Ao thymoiedes (um aspecto da alma) interessa uma variedade de coisas individuais nas quais ele adquire prazer, processo no qual ele as avalia segundo seu ergon (trabalho), sua “virtude”. Além disso, diferentemente do epithymetikon, é uma parte da alma pela qual o homem, também se referindo a si mesmo, pronuncia um julgamento valorativo sobre o que ele próprio é em comparação com os outros, ou sobre o que a ele e aos outros compete ou não compete, de modo que ele aspire a produzir e conservar o primeiro e eliminar o segundo (Rep. 429c). Por causa do thymoeides, o homem é “corajoso” e “irascível”, mas também desenvolve um prazer com a superioridade, a honra e a reputação, motivo pelo qual essa parte da alma é chamada “amante da vitória” (philonikon) ou “amante da honra” (philotimon) (Rep. 581a-d). (Schäfer)

Kingsley

A palavra usada justo no início do Poema de Parmênides é justamente thymos, onde tem o sentido da energia da vida ela mesma, que deve conduzir Parmênides em sua jornada ao submundo até o máximo. Segundo Peter Kingsley, thymos é a presença crua em nós, senciente e sensitiva, o poder massivo de nosso ser emocional. Acima de tudo é a energia da paixão, apetite, aspiração e anseio.

Desde o tempo de Parmênides aprendemos tão bem a dominá-lo, puni-lo e controlá-lo. Mas com ele é o que vem em primeiro, justo no início. E há um profundo significado nisto, porque o que ele está dizendo é que — deixado por si mesmo — o anseio torna possível para nós ir todo o caminho até onde realmente necessitamos ir.

Não há nenhum arrazoar com a paixão e o anseio, embora gostemos de nos enganar crendo que há. Tudo que conseguimos fazer é arrazoar conosco sobre a forma que nosso anseio tomará. Arrazoamos que se encontrarmos um trabalho melhor estaremos contentes, mas nunca estamos. Arrazoamos que se formos a um lugar especial estaremos felizes; mas quando lá chegamos começamos a querer ir a outro lugar. Arrazoamos que se nos enamorarmos com alguém de nossos sonhos estaremos plenos. E no entanto mesmo se tal for alcançado, não será suficiente para nossa plenitude.

O que chamamos natureza humana significa ser puxado pelo nariz como gado em centenas de direções diferentes e acabar indo a lugar algum muito rapidamente.

Mas embora não haja arrazoar possível com nossa paixão, ela tem uma tremenda inteligência própria. O único problema é que interferimos; fragmentamos ela em pequenos pedaços, espalhados por toda parte. Nossas mentes sempre nos ludibriam em focar pequenas coisas que pensamos querer — ao invés da energia de querer ela mesma.

Se pudermos sustentar diante de nossa face nosso anseio ao invés de encontrar maneiras infinitas de tentar satisfazê-lo e tentar escapar dele, ele começa a nos mostrar vislumbres do que jaz por trás das cenas. Ele nos abre uma perspectiva devastadora onde tudo está de ponta cabeça: onde preencher se torna limitar, realizar se transforma em capturar. E assim faz com uma intensidade que embaralha nossos pensamentos e nos força diretamente ao presente.

Tillich

Excerto de TILLICH, Paul. A Coragem de Ser. Tr. Eglê Malheiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976, p. 6-7

Na República de Platão coragem se relaciona com aquele elemento da alma que é chamado thymos (o elemento animoso, corajoso), e ambos se relacionam com aquela camada da sociedade que é chamada phylakes (guardiães). Thymos fica entre o elemento intelectual e sensual do homem. É o esforço não pensado em prol do que é nobre. Tendo uma posição central na estrutura da alma, constrói uma ponte por sobre a fenda entre razão e desejo. Pelo menos poderia fazer tal. Realmente, a tendência principal do pensamento platônico e a tradição da escola de Platão eram dualísticas, enfatizando o conflito entre o racional e o sensual. A ponte não foi usada. Já muito mais tarde, como em Descartes e Kant, a eliminação do “meio” do ser humano (o thymoeides) teve consequências éticas e ontológicas. Foi responsável pelo rigor moral de Kant e pela divisão cartesiana do ser em pensamento e extensão. É bem conhecido o contexto sociológico no qual ocorreu esta transformação. Os phylakes platônicos são a aristocracia armada, os representantes do que é nobre e gracioso. Dentre eles surgem os portadores do saber, acrescentando saber à coragem. Mas esta aristocracia e seus valores se desintegraram. O mundo antigo mais recente, tal a moderna burguesia, perdeu-os; em seu lugar aparecem os portadores da razão esclarecida e tecnicamente organizada e massas dirigidas. Porem deve-se notar que o próprio Platão via o thymoeidés como uma função essencial do ser humano, um valor ético e uma qualidade sociológica.

Sloterdijk

SLOTERDIJK, Peter. Ira e Tempo. Ensaio político-psicológico. Tr. Marco Casanova. Rio de Janeiro: Estação Liberdade, 2012, p. 36-37

No quarto livro do texto sobre o estado, a Politeia, Platão fornece os contornos básicos de uma doutrina do thymos que possui uma grande amplitude psicológica e uma significação política enorme. A performance destacada do thymos interpretado platonicamente consiste em sua capacidade de colocar uma pessoa contra si mesma. Essa virada contra si mesma pode acontecer quando a pessoa não preenche os requisitos necessários para que ela não perca a autoestima. A descoberta platônica reside na referência à significação moral da autorreprovação violenta. Essa autorreprovação manifesta-se duplamente — por um lado, na vergonha, como uma atmosfera afetiva total que penetra o sujeito até o seu ponto mais íntimo, e, por outro lado, na autorrepreensão dotada de um acento irado que assume a forma de uma fala interior consigo mesmo. A autorreprovação demonstra ao pensador que o homem possui uma ideia inata, ainda que turva, daquilo que é apropriado, justo e louvável, cujo desrespeito faz uma parte da alma, justamente o thymos, manifestar sua objeção. Com essa virada para a autorrecusa inicia-se a aventura da autonomia. Somente quem pode repreender a si mesmo pode governar a si mesmo.

A concepção socrático-platônica do thymos forma, tal como aludimos acima, um marco no caminho que conduz à domesticação moral da ira. Ela se coloca a meio caminho entre a veneração semidivina da menis homérica e a rejeição estoica de todos os impulsos irados e abruptos. Graças à doutrina platônica do thymos, as emoções civis belicosas receberam a permissão de permanecer na cidade dos filósofos. Uma vez que a polis governada racionalmente também precisa de militares que figuram aqui como a classe dos “guardiões”, o thymos civilizado pode ter alojamento em seus muros como o espírito próprio à capacidade de defesa. O reconhecimento das virtudes aptas à defesa como forças plásticas presentes no ser comum é pesado por Platão em formulações sempre novas. Mesmo no diálogo tardio O político, que trata do ofício do homem de Estado, a famosa alegoria do tecelão acentua a necessidade de produzir o tecido mímico do “Estado” sob o entrelaçamento tanto do modo de ser sensato do ânimo, quanto da meditação corajosa.

Na linha dos impulsos platônicos, Aristóteles também tem algo meritório a dizer sobre a ira. Ele fornece um testemunho espantosamente favorável sobre este afeto, uma vez que o associa à coragem e se mobiliza para o afastamento apropriado de injustiças. A ira legítima ainda tem “um ouvido para a razão”Aristóteles, Ética a Nicômaco, VII, 7., ainda que se abata com frequência sobre nós como um servo precipitado, sem ouvir a sua tarefa até o final. Ela só se torna um mal quando surge juntamente com a destemperança, de modo que, perdendo o ponto médio, transborda em desmedida. “A ira é necessária e nada pode se impor sem ela, caso ela não preencha a alma e atice a coragem. No entanto, não devemos tomá-la certamente por um líder, mas apenas por um companheiro de combate.”Sêneca, que cita esta passagem do ensaio de Aristóteles, Sobre a alma, em seu escrito Da ira (I 9), contradiz o pensador grego com o argumento de que os afetos em geral são ruins, tanto como auxiliares quanto como líderes.