Excertos de Manuel García Morente, Fundamentos de Filosofia
Estas palavras, “realismo das ideias”, podem surpreender aos que cultivam a filosofia e leram histórias da filosofia e livros sobre Platão. Pode surpreendê-los que eu empregue, para designar a metafísica de Platão esta expressão de “realismo das ideias”. Com ela quero eu sublinhar a interpretação que me parece mais justa da filosofia platônica.
Esta interpretação, que é a tradicional do platonismo, que é a que Aristóteles dá do platonismo, que é aquela que através dos séculos perdurou classicamente acerca das ideias platônicas, foi modernamente combatida pelos historiadores da filosofia que procedem da escola de Marburgo, e principalmente por Natorp.
Frente a esta interpretação de Natorp convinha-me acentuar a interpretação clássica, e por isso chamei-a “realismo das ideias”.
Segundo a interpretação clássica, que é, ao meu juízo, a exata, Platão considerou as ideias como entes reais, que existem em si e por si, que constituem o mundo inteligível, distinto e separado do mundo sensível; que constituem um mundo do ser contraposto ao mundo sensível, que é o mundo do não ser, da aparência, do phainomenos, como se diz em grego, do fenômeno. As ideias são, pois, para Platão “transcendentes” às coisas. A palavra “transcendente” tem na técnica filosófica esse sentido: de ser a designação de algo que está separado de outra coisa. Pelo contrário, a interpretação dada modernamente por Natorp converte as ideias em unidades lógicas do pensamento científico; faz delas pontos de vista desde os quais o pensador, defrontando-se com as coisas, organiza suas sensações para conferir-lhes objetividade, realidade.