A Ideia do Bem

Excertos de Manuel García Morente, Fundamentos de Filosofia

A ideia do bem.

Todas as ideias pendem de uma ideia superior a todas elas que é a ideia do bem. Aqui ecoa de novo, como um acorde que volta ao final da sinfonia, aquele interesse moral que fora fundamental no pensamento de Sócrates e que também herdou Platão. Para Platão o importante é realizar a ideia do bem. Que os Estados políticos, formados na terra pela união dos homens que moram nela, sejam o melhor possível, se ajustem o mais possível a essa ideia do bem. Por isso põe toda a sua filosofia, toda a sua metafísica e toda a sua ontologia ao serviço da teoria política do Estado; porque acredita que assim como a ideia do bem é a suprema ideia que rege e manda em todas as demais ideias, do mesmo modo entre as coisas que existem nesse mundo sensível, aquela suprema que deverá mais que nenhuma coincidir com a ideia do bem é o Estado. E consagra os dois mais volumosos diálogos que escreveu, A República e As Leis, a estudar a fundo como deve ser a constituição de um Estado ideal. Por sinal que conclui, em resumo, que o Estado ideal será um Estado no qual, ou os que mandam sejam filósofos, ou sejam os filósofos os que mandam.

Chegamos com isto ao termo daquilo que me propunha dizer nesta lição. Temos, creio eu, com a filosofia de Platão, todos os fios necessários para compreender a de Aristóteles. A filosofia de Aristóteles seria incompreensível se, como quiseram os filósofos atuais da escola de Marburgo, interpretássemos Platão como uma espécie de Kant de vinte e cinco séculos atrás. Então Aristóteles seria incompreensível, porque o que fez fundamentalmente foi plasmar e dar uma forma arquitetônica, magnífica aos elementos que há na filosofia de Platão.

A filosofia de Platão não é, como julgam Natorp, Cohen e os fundadores da escola de Marburgo, não é, nem de longe, idealismo. As ideias de Platão não são unidades sintéticas do nosso pensamento e que nosso pensamento imprime às sensações para dar-lhes unidade e substantividade. Não; antes para Platão, o mesmo que para Parmênides, as ideias são realidades que existem, as únicas realidades que existem, as únicas existentes, visto que as coisas que vemos e tocamos são sombras efêmeras; são, aquilo que são, indiretamente e por metaxis ou participação com as ideias.

Somente desta maneira, compreendendo a Platão na sua autêntica realidade metafísica, somente entendendo-o como um realismo das ideias, somente assim se pode entender Aristóteles, porque o que este fará será dar uma lógica interna a todo o sistema e trazê-lo, por assim dizer, do seu céu inacessível, a esta terra, para fazer que estas ideias, que são transcendentes às coisas percebidas, se tornem imanentes, internas a elas. Em suma, Aristóteles colocará a ideia dentro da coisa sensível. Isto é o que fará Aristóteles e o que veremos na próxima lição.