Interpretação das ideias platônicas por Natorp

Excertos de Manuel García Morente, Fundamentos de Filosofia

Segundo a interpretação de Natorp, as ideias platônicas seriam uma posição do ser para o sujeito pensante. O sujeito pensante, o homem, quando se defronta com a multiplicidade e variedade das sensações, introduz unidade nesse caos das sensações; pela simples virtude do seu pensamento de caráter sintético, reúne em feixes grupos de sensações, aos quais confere a plena realidade, a objetividade.

Essas unidades sintéticas não estão, todavia, no material com o qual as fabrica o pensador, mas antes são pontos de partida, focos desde os quais a intuição sensível organiza seus materiais em unidades. Mas essas unidades as põe o pensamento. Essas posições do pensamento serão para Natorp as ideias de Platão.

Julgo esta interpretação radicalmente falsa. Esta interpretação consiste em introduzir sub-repticiamente no platonismo uma concepção que não surge na história da filosofia até Descartes. Consiste em introduzir no platonismo a função do eu pensante como uma função que põe o ser. Ao contrário, nós sabemos que desde Parmênides a preocupação dos metafísicos gregos não consistiu em procurar a posição do ser pelo sujeito, mas em procurar o ser mesmo; que não o podiam encontrar sem auxílio do pensamento, mas o pensamento não ó para eles senão a viva representação desse ser existente em si e por si.

Por isso considero eu que o realismo das ideias platônicas, seu caráter transcendente deve ser afirmado a todo o custo se não se quer perturbar com erros a realidade histórica do pensamento grego. Não há nada mais contrário e oposto ao pensamento grego que o idealismo moderno; e querer converter Platão em um idealista é falsear por completo a posição e a solução do problema metafísico tal como o propunham os gregos.