mythos

mythos: mito

1. A atitude tradicional da filosofia em relação ao mito é expressa no contraste mythoslogos, onde se pretende que o último signifique um relato racional, analítico e verdadeiro (ver Platão, Fédon 61b, Timeu 26e, etc). É paralela à distinção theologos – physikos (ver theologia), mas a relação do primeiro par é algo mais complexa. É evidente que tanto Sócrates como Platão tinham fortes objeções morais a opor aos mitos tradicionais (Euth. 6a-c, Fedro 229c-230a, Republica 376e-380c), tipo de crítica que remontava, pelo menos, a Xenófanes (ver frg. 11). Uma tentativa de fazer face a este tipo de ataque era a crença de que havia um sentido subjacente (hyponoia) aos velhos mitos. Ao que parece isto foi popular nos círculos filosóficos do século quinto; ver Pródico (Diels, frg. B5), Anaxágoras (D. L. II, 11), e Antístenes (Dio Chrysostom, Orat. 53, 4-5; confrontar Xenofonte, Symp. III, 6). Platão não aceitará a hyponoia (Republica 378d), mas na literatura subsequente, o uso de uma interpretação alegórica (allegoria) quer moral, física ou cosmológica, para extrair o sentido oculto tornou-se um método poderoso de reconciliar a filosofia com o material tradicional nos poetas. Os estoicos interessaram-se particularmente pela allegoria (ver Cícero, De nat. deor. II, 24, 25, 64, 65, e passim; a facilidade estoica em etimologizar nomes foi aqui de considerável auxílio; ver onoma), e com Fílon a alegoria passou a servir de base à concordância entre a filosofia e a escritura (cf. Leg. all., passim).

2. Mas o mythos não se demitiu tão facilmente: Aristóteles sentiu que havia um ponto nas primeiras cosmogonias onde o logos e o mythos se justapunham (Metafísica 982b, 1074b; ver aporia, endoxon), mas a apresentação deste era infantil (Metafísica 1000a; confrontar Platão, Soph. 243a) e Platão, por seu lado, foi céptico quanto aos resultados (ver a forte ironia do Timeu 40d-41a). Contudo os diálogos estão cheios de mitos que representam um papel central no desenrolar do argumento, como, por exemplo, no Fédon e na República (escatológicos; ver athanatos), no Fedro (psicológicos) e no Timeu (físicos). Nem sequer é uma inovação de Platão; pode encontrar-se em Protágoras (se o mito do Protágoras 320c-323a é dele próprio e não de Platão), no proêmio do poema de Parmênides (frg. 1) e nas abstrações semi-disfarçadas dos mitos de Ferecides (D. L. I, 119; confrontar Aristóteles, Metafísica 1091b); ver theos. [Termos Filosóficos Gregos, F. E. Peters]


A distinção entre mythos: relato, ficção, história e logos: discurso racional e verdadeiro, se precisa com Platão (cf. em Timeu 26e a oposição entr o relato forjado: plasthenteis mythos, e discurso verdadeiro: alethinos logos). A deusa de Parmênides, por exemplo, qualifica indiferentemente sua palavra de Verdade de mythos e de logos (Parmênides, B II, 1 e VIII, 1 D.K.: mythos; VIII, 50). As fábulas de Esôpo são nomeadas por Cebes, logoi (60d: sem dúvida porque elas estavam em prosa), mas por Sócrates mythoi (61b) posto que são ficções. Da mesma maneira, no Górgias (523a), Sócrates vai manter um discurso que para ele é um logos, e que Calicles considerará talvez um mythos. Mas não há em Platão sinonímia nem como em Protágoras assimilação deliberada e negação de toda diferença possível entre os dois termos (no Protágoras, 320c, Protágoras demanda se se prefere que ele demonstre um mythos ou ele conte um logos); a determinação acordada é função daquele que determina. [Monique Dixsaut]


É Platão que deu ao grego antigo mythos a significação que reveste hoje em dia para nós o termo “mito”. Na língua grega, o sentido de mythos se modificou em função das transformações que afetaram o vocabulário do “dizer” e da “palavra”, no curso de uma evolução histórica cuja obra de Platão é o termo; antes de Platão, mythos significa simplesmente “palavra”, “aviso que se expressa”; depois, designa este tipo de relato infalsificável que trata dos deuses, demônios, heróis, habitantes do Hades e dos homens do passado. (Luc Brisson)