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Excertos da Introdução de José Maria André de sua tradução de «DA DOUTA IGNORÂNCIA»
Nicolau Krebs, nome que recebeu e que passaria ao esquecimento com a sobreposição da designação da sua terra natal, contava já quarenta anos de idade quando concluiu a redação da obra que mais conhecido o tornaria e que constitui uma verdadeira síntese “complicativa” de todo o seu posterior labor filosófico. Para trás ficavam os seus primeiros anos de formação junto dos Irmãos da Vida Comum, em Deventer, onde entrou em contacto com a mística eckhartiana, uma curta passagem por Heidelberg, suficiente para tomar consciência dos golpes desferidos pelos nominalistas nas sínteses escolásticas do século XIII, os estudos de Direito em Pádua, que lhe permitiram conhecer algumas tendências do primeiro humanismo, e a frequência da Universidade de Colônia, onde pontificam os tomistas e os albertistas. Já então ia emergindo como figura de relevo no panorama político-religioso, devido às suas intervenções no Concílio de Basileia, à sua obra De concordantia catholica e à sua missão diplomática em Constantinopla, como representante do papa Eugênio IV. Terá sido no regresso da viagem de Constantinopla que se apercebeu do significado profundo da “douta ignorância“, decerto com base na percepção de que só a partir da coincidência dos contrários (experiência que durante a viagem por mar se veria significativamente simplificada) seria possível ter acesso a uma visão, ainda que incompreensível, do fundamento principial de todas as coisas. É ele próprio quem o confessa na carta ao Cardeal Juliano com que conclui o De docta ignorantia: “Recebe agora, venerável padre, o que eu desejava atingir já há muito por vias diversas, mas que antes não consegui, até que, ao regressar da Grécia, por mar, fui levado — segundo creio, por um dom altíssimo do Pai das Luzes de quem deriva todo o dom excelente — a abraçar incompreensivelmente o incompreensível na douta ignorância, transcendendo o que é humanamente cognoscível das verdades incorruptíveis… Mas todo o esforço do nosso espírito humano deve situar-se nestas profundezas para se elevar à simplicidade em que coincidem os contraditórios”. Nestas palavras ecoam os temas fundamentais desenvolvidos na obra a que servem de conclusão e em que radicam as linhas de força que comandarão toda a sua reflexão posterior. Se é importante sublinhar que tanto a retomada, em termos novos e hermeneuticamente fecundos, da “douta ignorância“, como também o papel determinante da coincidência dos contrários numa reflexão destinada a pensar o estatuto ontológico da diferença andam indissocialmente ligados ao nome do Cusano, não deixa de ser indispensável referir que a sua metafísica é também ela uma metafísica do dom, em que a verdade irrompe na disponibilidade manifestada pelo homem para acolher a gratuidade sígnica das múltiplas manifestações em que a plenitude originária se exprime como doação que faz desse mesmo homem momento insubstituível do processo dialógico da sua epifania.