nómos: costume, convenção, lei constitucional ou arbitrária
1. A intrusão de nomos no discurso filosófico no século v seguiu-se à passagem da noção de natureza (physis) do campo físico para o ético. Isto pode ter sido resultado da influência médica («Sobre a natureza (physis) do Homem» aparece como título no Corpus Hippocraticum), mas pode também ser visto no tratamento ético do conceito de kosmos. Por outro lado havia uma compreensão crescente de natureza puramente arbitrária e relativa de nomos (ver as duas anedotas em Heródoto III, 38). O primeiro a tomar a posição explicitamente, de que a justiça e a injustiça são um problema de nomos e não de physis foi Arquelau (D. L. II, 16), embora pareça estar já implícito em Heráclito (frg. 102). Este ponto de vista tornou-se comum entre os sofistas e as opiniões relativistas destes, quer em moralidade (Protágoras no Protágoras), em política (Trasímaco na Republica n) ou na epistemologia (Protágoras em 152a), são frequentemente citadas por Platão. O próprio absolutismo ético e epistemológico de Platão não se baseia, evidentemente, em qualquer defesa da noção antiquada de physis, mas sim nos eide imutáveis e, à medida que ele vai envelhecendo, na existência de Deus. Nas Leis 716c a teoria do homo mensura de Protágoras é finalmente corrigida: Deus é a medida de todas as coisas (theios nomos).
2. A ideia de uma lei divina já tinha sido aventada por Heráclito, frg. 114 (ver kosmos), e houve apelos subsequentes à «lei não-escrita» (agraphos nomos), que, longe de ser mera convenção, tem uma sanção divina (assim Xenofonte, Mem. IV, 4, 5-25; Sófocles, Oed. Tyr. 863-871, Ant. 449-460; Aristóteles, Rhet. 1368b, 1373a-b). Mas nenhum assenta numa concepção filosófica de uma physis que fundamenta o nomos; isto aparece no estoicismo com a sua doutrina da physis como um logos imanente (Sêneca, De benef. IV, 7-8), e a sua definição da virtude como «viver segundo a natureza» (D. L. VIII, 86-87) onde a «natureza» deve compreender-se tanto no seu sentido cósmico como individual (idem VII, 89). É esta «natureza», a divina ratio (ver logos) que é imanente, eterna e imutável (Cícero, De leg. II, 4, 8; De republica III, 33) que funda as leis humanas. A sua operação é eminentemente visível no primeiro impulso «instintivo» (physikos) do homem no sentido da auto-conservação que gradualmente se alarga para abarcar toda a humanidade (ver oikeiosis).
3. Isto é o que se pode chamar a tradição imanente na lei natural; a tradição transcendente, baseada no noûs de um «Deus separado» pode ver-se em Platão, Leis 713e-714a e Fílon, De migre. Abr. 32, 179-181; ver thesis, dike.
nomos (ho) / nomos: lei. Latim: lex.
A lei, iniciativa do homem, opõe-se à natureza. De fato, entre os autores gregos, a lei não é efeito de uma causa universal e necessária dos fenômenos naturais, mas sim de uma regra social imposta pelos governantes.
No entanto, vários autores afirmam que, anteriormente às leis do Estado, que são convencionais em maior ou menor grau, há leis não escritas (ágraphoi nómoi) que são eternas e devem servir de referência à vontade humana. E o caso de Sócrates, nos Memorabilia de Xenofonte (IV, 4). Eram essas leis as invocadas pela Antígona de Sófocles contra as decisões de Creonte (V, 453-455); são elas incidentemente mencionadas por Aristóteles em sua Política (VI, 5).
A oposição entre natureza e lei aparece no sofista Antifonte, que acusa a lei de aprisionar a natureza (Gernet, fr. 4) e é exposta mais especialmente por Aristóteles na Ética nicomaqueia (V, 7). Este distingue duas espécies de direito: o direito natural (physikón) é “aquele que, em todos os lugares, tem o mesmo poder e não depende da opinião”, ao contrário do direito legal (nomikón), que depende do Estado. Em Retórica (I, X, 1), ele chama a lei escrita de particular (ídios) e a lei não escrita, de comum (koinós).
Já encontramos essa noção de lei não escrita num tratado pitagórico Da lei e da justiça, atribuído a Arquitas. O doxógrafo João Estobeu (século V d.C.) conservou alguns de seus excertos: “As leis dos maus e dos ateus opõem-se as leis não escritas dos deuses (…) A lei precisa condizer com a natureza.” Por natureza, é preciso entender aqui não a natureza sensível, o universo, mas a natureza humana, que é invariável. Essa obra seria, assim, a primeira em que se encontram os fundamentos da lei natural, termo este que se entende no sentido moral e político. Um pitagórico contemporâneo, Ocelo de Lucânia, teria escrito um tratado Da lei: Peri nomo (Por nómou; genitivo dórico, dialeto no qual escreviam os pitagóricos das primeiras gerações ). Outros dois pitagóricos antigos, Zaleucos e Carondas, celebrados por Diodoro e Aristóxeno, escreveram um Preâmbulo às leis (Prooímia nomôn), para a constituição de suas cidades-Estado na Magna Grécia. Contudo, o mais famoso tratado Das leis, em dez livros, foi escrito por Platão na velhice. Aristóteles considera as Leis como especificações da constituição; e as define como “regras que estabelecem como os magistrados devem governar” (Pol, IV, 1,9-10).
Essas noções de lei natural e de lei divina são negadas pelos sofistas, para os quais toda lei é arbitrária e só tem a utilidade como fim. Essa é a tese exposta por Hípias em sua obra Memorabilia (IV, IV, 4), por Cálicles em Górgias (482), por Trasímaco na República (II, 358e-359b). E mais tarde pelos céticos: Pirro, Tímon, Enesidemo (Diógenes Laércio, IX, 101). Demófilo emprega o termo nomos theios: lei divina (Similitudes, 29, in Estobeu, Ant., 11,28).
Locução: nomo peíthou: observa a lei! (Pítaco, Sentenças, 15; Sosíades, Preceitos, 2, in Estobeu, Ant., III, 80). (Gobry)