ochema

óchêma: veículo, carro, corpo astral

1. Como decorre da história da psyche, uma série de forças aparentemente irreconciliáveis estavam presentes no seu desenvolvimento quase desde o princípio: a posição materialista que vê a psyche como uma forma aperfeiçoada de um ou outro dos elementos e, eventualmente, como pneuma, espécie de quinto elemento aparentado com o aither; a posição espiritualista derivada da doutrina pitagórica da alma como uma substância divina diferente em espécie do corpo; e, finalmente, a teoria aristotélica da entelecheia que tenta explicar a psyche em termos de função (ver ergon, energeia) de algum corpo.

2. O platonismo tardio foi, de fato, forçado a concordar com o ponto de vista da entelecheia em virtude do interesse de Platão pela função no Timeu. Tentaram fazê-lo por meio de uma teoria que, nos seus termos mais gerais, afirma que a alma tem outro corpo quase-físico ou ochema, geralmente adquirido durante a «descida» pré-natal através dos céus (kathodos; ver Plotino, Enn. IV, 3, 15; Macróbio, In Somn. Scip. I, 12). Este torna-se gradualmente mais pesado e mais visível à medida que desce através do aer úmido (Porfírio, De antro nymph. II). Com a sua vulgar devoção textual os neoplatônicos dedicaram-se a descobrir a origem desta doutrina em Platão e particularmente no Tim. 41d-e onde o demiourgos semeia cada alma num astro «como num carro» (ochema; confrontar Fedro 247b), antes de incorporar algumas delas na terra e «armazenar» outras nos planetas (ibid. 42d). Mas quando se passa à explicação da natureza destes «veículos», recorrem a Aristóteles.

3. Aristóteles descrevera o pneuma como a sede da alma nutritiva (threptike) e sensitiva (aisthetike), análogo em composição ao aither que é o elemento material das estrelas (De gen. anim. 736b-737a). Assim o «veículo» da alma é descrito pelos neoplatônicos como um corpo etéreo (aitherodes) e semelhante à luz (augoeides), (Jâmblico, De myst. III, 14; o sidereum e luminosum corpus de Macróbio, In Somn. Scip. I, 12 e II, 13).

4. A teoria é exposta, com uma série considerável de aperfeiçoamentos, em Proclo, Elem. theol., props. 205-209. Cada alma humana está inicialmente sob a influência da alma divina (ver psyche, ouranioí) num ou outro dos planetas (prop. 204; ver Tim. 42d e Proclo, In Tim. III, 280). São óbvias as implicações astrológicas disto, mas havia um consenso geral neoplatônico que as theiai psychai dos planetas não são responsáveis pelo mal (Plotino, Enn. II, 3, 10; Jâmblico, De myst. I, 18; Proclo, In Tim. III, 313). O corpo astral da alma individual está consequentemente relacionado com o corpo da alma planetária (prop. 204; comparar Enn. IV, 4, 31 e ver sympatheia). Este é o corpo imortal, imaterial, perpetuamente ligado à alma (props. 206-207); há porém um outro corpo perecível que a alma adquire durante a sua descida, composto de «mantos» (chitones; prop. 209; ver In Tim. III, 297) cada vez mais materiais. Este é mortal e, embora sobreviva à morte (o tempo suficiente, segundo parecia, para sofrer os castigos corporais do tipo descrito por Platão no Fédon 114a), é eventualmente dissipado. A alma humana individual, então, conforme a versão revisionista de Proclo, tem três corpos: o imortal, imaterial «estrelado» (astroeides) ou luminoso, associado à parte imortal da alma; o «espiritual» (pneianatikon) possuído pelas partes mortais da alma e os vários daimones do universo; e, finalmente, o corpo carnal da estadia da alma na terra (In Tini. III, 236, 298; Theol. Plat. III, 125). (Peters)


A teoria neoplatônica do veículo okhema-pneuma é, como seus aderentes a percebem, baseada nos escritos de Platão e suportada por aqueles de Aristóteles. Se olharmos estas passagens a suportando, entretanto, descobrimos pouco com o que defender as afirmações dos neoplatonistas. Como Kissling afirma: “A teoria do okhema-pneuma, como encontrada nos escritores neoplatônicos, representa a reconciliação de Platão e Aristóteles em um assunto que o primeiro nunca pensou e o último foi incapaz de definir inteligivelmente.

Como então os neoplatonistas conceberam o veículo da alma, e com que textos platônicos e aristotélicos conectaram sua crença?

O veículo pretende unir duas entidade diametralmente opostas: a alma incorpórea e o corpo corpóreo. É, portanto, nem material nem imaterial, mas um meio entre estes dois extremos. Filósofos posteriores afirmavam que o éter, mencionado em Epinomis 981c5-8 (trabalho que acreditavam ser de Platão) e nas obras de Aristóteles (por ex. De Caelo 270b20-26), era a substância compreendendo o veículo. Para os neoplatonistas, o veículo preenche três funções: abriga a alma racional em sua descida do reino noético (vide noûs) para o reino da geração; age como órgão da percepção dos sentidos e imaginação (vide phantasia); e, através de ritos teúrgicos, pode ser purificado e elevado, um veículo para o retorno da alma racional através do cosmos para os deuses.

Os neoplatonistas foram capazes de subscrever estas funções nos escritos de Platão e Aristóteles. Em Timeu 41e1-1, Platão diz que o Demiurgo “distribuiu cada (alma) para cada (estrela), e tendo as construído (as almas humanas) como em um veículo, mostrou-as a natureza do universo”. Para um neoplatonista, o veículo não é uma estrela mas o «okhema-pneuma». Uma vez a alma situada em seu próprio veículo, ela desce para a geração. Neoplatonistas interpretam, de maneira similar, o mito do Fedro, no qual as almas dos deuses e humanos são comparadas a cocheiros viajando em coches okhemata, 247b1-3. Para neoplatonistas, cada uma destas passagens demonstra uma alma conectada a seu próprio veículo tanto no cosmos e na sua descida à terra. (John F. Finamore, Iamblichus and the theory of the vehicle of the soul)