Os herdeiros de Pitágoras

Uma tradição tardia afirmava que a seita se dividia em matemáticos, que conheciam verdadeiramente a doutrina, e acusmáticos, que haviam aprendido apenas os rudimentos. Muitos nomes de Pitagóricos designam personagens lendários. Mas importa fixar os de Hipaso de Metaponto, que atingia o seu florescimento em 538, Alcméon de Crotona, que atingia o florescimento em 500 e introduziu o Pitagorismo em medicina, Filolao, que teria iniciado Platão nos mistérios da seita; citemos por fim Arquitas de Tarento, um amigo de Platão, que escreveu principalmente sobre música.

Numerosos movimentos devem, de perto ou de longe, algo ao Pitagorismo, e Pacioli, Paracelso e Kepler dele se deixaram provavelmente compenetrar.

Sentido e atualidade do Pitagorismo

O Pitagorismo exerceu forte influência em Platão. As especulações do Timeu, a assimilação platônica do corpo a uma prisão, a teoria da reminiscência, os diferentes mitos escatológicos do aluno de Sócrates provieram de uma tradição pitagórica ou, talvez com mais precisão, órfico-pitagórica.

Mas Platão, que dizia: «Se arrebatássemos o número à raça humana, jamais chegaríamos a qualquer sabedoria» (Epinomis, 977 b), viu com lucidez que as matemáticas não passavam do «prelúdio da ária que importa aprender». Se nos limitarmos a uma concepção puramente quantitativa do número, possuiremos apenas uma metrética, que nos deixa na ignorância da verdadeira Metrética, a da justa Medida. O conhecimento da quantidade não nos fornece a ciência da Medida, que nos permita condenar tanto o excesso como o defeito. Se nos contentarmos com medidas, sem conhecer a verdadeira Medida, a do Bem, afundar-nos-emos na desmedida.

Poderíamos dizer que um dos dramas essenciais da nossa época se encontra neste «reino da quantidade», que do número nos fornece apenas uma concepção residual. Afirmamos de boa vontade que «compreender é medir», tornamo-nos «mestres e senhores da natureza», desenvolvemos um poder técnico cada vez mais considerável; mas, se sabemos bem de que nos libertam a ciência e a técnica, esquecemo-nos de perguntar com que finalidade nos tomam livres. As nossas medidas são cada vez mais privadas de Medida e cada dia vivemos mais sob o jugo de violências técnicas que, por muito doces e insidiosas que sejam, nem por isso deixam de ser das mais perigosas. Além disso, a nossa concepção residual da quantidade exerce-se num novo domínio: a estatística. Esta leva-nos a confundir a média e a norma, o que se faz e o que devia fazer-se, a quantidade e a qualidade; é assim que pensamos de boa vontade que um bom livro é o que se vende às centenas de milhar de exemplares, que a venda de um disco que ultrapasse o milhão de exemplares nos indica estarmos em presença de uma obra de qualidade. O culto do recorde e da performance invale todos os domínios e destaca-se sobre um fundo de gratuitidade tal que o homem de hoje, a quem de todos os lados se propõem explicações cada vez mais numerosas, tomadas da ciência, da história ou da política, se reconhece da melhor vontade nos heróis do absurdo, que sobem ao cume de vertentes cada vez mais escarpadas, de rochedos cada vez mais pesados, sem saber com que objectivo tem lugar tal ostentação de forças. O «desencanto das sociedades técnicas», de que fala Max Weber, vem do facto de que o homem dos países superdesenvolvidos possui hoje uma infinidade de meios que é incapaz de pôr ao serviço de um fim digno dos seus esforços e apto a dar-lhe um sentido.

Pois bem, é sempre tempo de recordar o que Pitágoras aconselhava os discípulos a perguntar todas as noites: «Que falta cometi? Que bem pratiquei? Que dever esqueci?» O reino da quantidade e do poder não deveriam fazer-nos acreditar que, doravante, estamos dispensados de, quotidianamente, nos colocarmos estas três questões. (Jean Brun, “Pré-Socráticos”)

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