Perseu

Mitologia Grega – Perseu

VIDE: Medusa

Paul Diel

Perseu é filho de Zeus e Danae. Zeus, o espírito, pai mítico, fecunda-a tomando a forma de uma chuva de ouro. A sublimidade da criança não poderia ser melhor indicada. A nuvem, caindo do céu sob a forma de chuva e fecundando a terra, é símbolo do espírito. Danae é uma mulher, símbolo frequente da terra. A sublimidade encontra-se assinalada pelo fato da chuva fecundante ser de ouro; amarelo e brilhante, o ouro é um símbolo solar. Perseu é, portanto, o herói, filho da terra, gerado pelo espírito. O mito de seu nascimento já o designa como um herói-vencedor. Cabe ressaltar que a filiação simbólica é expressa por uma imagem (a mulher terrestre fecundada pelo espírito-chuva) quase idêntica àquela empregada pelo mito cristão para representar o nascimento do herói-vencedor.

O pai de Danae, Acrisio, para escapar à predição do oráculo de que viria a ser assassinado por seu neto, decide livrar-se tanto da mãe quanto da criança. Abandona-os, mas Perseu é salvo. O abandono da criança é um símbolo frequente, comum aos mitos de diferentes povos. Ele expressa a perversidade hostil do pai real; mas simboliza também, e antes de tudo, a importância predominante do pai mítico para a vida futura da criança abandonada. No mito de Perseu, o tema encontra-se significativamente modificado. Perseu não tem um pai humano, ao menos segundo a fábula mítica. Filho de Zeus, o herói tem ascendência divina. O pai humano encontra-se substituído pelo ancestral, o pai de Danae.

O oráculo é, por definição, ambíguo. Todo homem possui no plano mítico dois “pais”: a sublimidade e a perversão. Este simbolismo ostentará toda amplitude de sua importância no mito judaico-cristão, onde o pai mítico, sob sua forma positiva, é Deus-Criador chamado “Deus Pai”. O pai mítico, sob seu aspecto negativo, é o ancestral simbólico, o “velho Adão”, representante mítico de toda a humanidade. Sua queda simboliza a fragilidade da natureza humana que dá preferência à maçã proibida, o fruto terrestre, a exaltação dos desejos, em lugar do apelo do espírito, e que sucumbe de geração em geração à sedução do espírito negativo, a serpente-vaidade. Expressa não mais pela representação do mito da Gênese, mas, de uma maneira geral, válida para a verdade mítica de todos os povos, temos que o pai mítico que forma, que cria espiritualmente o homem, cada homem, é o espírito no homem, manifesto sob sua forma positiva, a elevação, e sob sua forma negativa, a queda.

Segundo o sentido ambíguo do oráculo, Perseu matará em si mesmo ou a potência sublimadora ou a perversão. (No mito de Tântalo, a perversão foi simbolicamente caracterizada como “o filho” do homem. Mas, se é justo dizer, por mediação da imagem, que a perversão é “filha do homem”, não é menos justo dizer que o homem é “filho da perversão”, dado que a inversão é um processo habitual do sonho mítico, tanto quanto do sonho noturno.)

Perseu, entretanto, não é o “filho mítico do espírito” tal como qualquer outro homem. A filiação mítica tem para ele unicamente o sentido sublime realçado pela imagem da chuva de ouro. Perseu é, por assim dizer, o filho único, o enviado do espírito positivo. O oráculo, em si mesmo ambíguo, ganha um sentido claro e distinto: o “pai mítico” que Perseu matará é o espírito negativo, a perversão. A predição de que mataria o ancestral (o velho Adão, representado neste mito pelo rei Acrisio e sua hostilidade perversa) significa que o herói “matará”, superará a influência da perversão que reina no mundo. Sendo morto pelo disco (símbolo solar), o ancestral é claramente denunciado como símbolo da perversão.

Este é o momento de lembrar um episódio que aproxima o mito de Perseu do mito de Belerofonte, sendo ao mesmo tempo uma ilustração da superioridade do herói vencedor. Perseu também monta Pégaso para conquistar a virgem. Esta, no entanto, não é símbolo da pureza, mas, ao contrário, da vaidade feminina. Andromeda vangloriou-se de ser mais bela que as Nereidas, que, por vingança, amarram-na a um rochedo onde ela é ameaçada de ser devorada por um monstro marinho enviado por Poseidon. O simbolismo exprime que, por sua vaidade, Andrômeda encontra-se ligada à terra (aos desejos terrestres), destinada a tornar-se vítima da perversão (monstro marinho). Dessa maneira, a verdade mítica evidencia o outro aspecto da natureza feminina (contrário à sua força calmante e purificadora): sua fragilidade inata,da qual o homem, por sua vez, deveria poder resgatar a mulher neste processo de fecundação mútua, única condição que dá à união da alma masculina e feminina seu verdadeiro sentido. Ora, o simbolismo revela que Perseu não tem necessidade de ser socorrido pela mulher para ultrapassar seus próprios perigos. Ele liberta a beleza da perversão que a ameaça e a conduz à sublimidade, unindo-se a ela, esposando-a.

Mas este desfecho só poderá ser definitivo, ou mesmo significativo no sentido indicado, se Perseu, ao contrário de Belerofonte, conseguir realizar a condição essencial capaz de evitar a queda final, mesmo após uma vitória passageira, por maior que seja.

No mito de Perseu, a libertação de Andrômeda não será uma vitória passageira, pois a simbolização expressa claramente, como veremos, que o herói somente se torna capaz de libertar a mulher ameaçada de perversão depois de ter lutado vitoriosamente contra seu próprio perigo essencial.

Esse perigo, essencial a todo homem, encontra-se simbolizado pelo fato mais ressaltado no mito de Perseu, o combate contra Medusa, rainha das Górgones.

Mário Meunier

Havia, outrora, em Argos, um rei que só tinha uma filha, chamada Dânae. Ao falar sobre Zeus já dissemos como o rei Acrísio, para impedir Dânae de ser mãe, tinha-a encarcerado numa prisão de bronze, e como Zeus, frustrando os desejos de Acrísio, havia se transformado em chuva de ouro, para penetrar no presídio subterrâneo e tornar-se pai de Perseu.

Assim que soube, pelos vagidos do recém-nascido, do secreto nascimento da criança de sua filha, Acrísio ficou aterrorizado, lembrando-se do oráculo, que predissera seu assassinato por um neto, que reinaria em seu lugar. Ordenou retirassem Dânae da prisão e fez abrir um grande cofre onde fechou, em companhia da criança que acabara de pôr no mundo, sua infeliz filha. Quando o cofre ficou hermeticamente fechado, Acrísio fe-lo conduzir à praia para ser jogado ao mar. Muito tempo, como um destroço, as ondas o balouçaram, mas os Deuses que velavam sobre Perseu, fizeram que a frágil embarcação aportasse às áridas costas da Ilha de Serifos. Nessa ilha afastada reinava, segundo dizem, um rei chamado Polidectes. Quando os pescadores trouxeram-lhe o cofre que haviam encontrado encalhado na costa, mandou-os abri-lo incontinenti. E, tomado de piedade pela mãe e pela criança que ali viu, fechadas mas vivas, acolheu-as em seu próprio palácio. Criado como filho do rei de Serifos, Perseu não tardou a crescer, a tornar-se um príncipe encantador. Mas, como Dânae, sua jovem mãe, era de beleza tão rara que o próprio grande Zeus não a julgara indigna de seu olhar, Polideetes, por seu turno, sentiu por ela o mais violento amor. Receando, porém, que a proximidade de Perseu pudesse prejudicar seus fins, o rei de Serifos resolveu desfazer-se dessa testemunha desagradável.

Anunciou, um dia, sua determinação em desposar a bela Hipodâmia. Por ocasião do casamento, organizou um suntuoso festim, convidando para ele os principais chefes que tinha sob suas ordens, e Perseu. De acordo com o uso daqueles tempos longínquos, cada convidado deveria, na ocasião, honrar seu senhor, oferecendo-lhe um presente. Para estar certos de serem agradáveis ao rei, os convidados perguntaram-lhe, por intermédio de Perseu, qual o presente que gostaria de receber.

— Quero cavalos — respondeu Polideetes.

— Pois não — respondeu Perseu. — Dar-te cavalos é coisa fácil. Por mim, gostaria que me pedisses trazer-te a cabeça de Medusa.

Polideetes nada respondeu, mas no dia seguinte, quando os convivas levaram-lhe cavalos e Perseu apresentou-lhe o seu, Polideetes recusou o presente do filho de Dânae.

— Prometeste-me — disse-lhe ele — a cabeça de Medusa, a mais terrível das tres horrorosas Górgonas. Um príncipe deve sempre cumprir o que promete. Não te considero dispensado do teu presente. Vai, pois, e o mais depressa possível, buscar-me essa temível cabeça, pois de hoje até o dia em que trouxeres o que me prometeste, conservo tua mãe como refém.