Filosofia como pensamento radical é a busca do conhecimento da gênese da possibilidade do conhecer, do princípio do que se pode conhecer, e desde aí realizar. Portanto, este pensar radical é realização como criação. O pensamento tem seu sentido na temporalidade da criação, pois tudo o que é e aparece sendo se dá através do pensar. O pensamento como realização remete para a própria temporalização do tempo, a estrutura da vida entendida como o movimento de tornar-se o que se é – numa versão extraordinária da temporalidade, explicitada pela máxima, que segundo Platão foi oferecida pelos 7 sábios para adornar o portal do templo de Apolo em Delfos:
ΓΝΩΘΙ T ΑΥΤΟΝ
Torna-te o que és
(Verso atribuído à inscrição do Portal do Templo de Apolo em Delfos).
γνῶθι σαυτον
Conhece-te a ti mesmo.
(versão de Platão, que aparece no Protágoras em 243b).
γένοι οιος έσσι μαθών
Vem a ser como és, tendo aprendido (verso de Pindaro na II ode Pítica v. 72)
O homem está sempre conquistando progressivamente suas possibilidades, que nunca estão acabadas. A vida do homem é um dar-se conta de si mesmo, a curadoria de si, o lançar-se em direção a si mesmo por meio de sua abertura ao outro de si encontrado por si em si. Através do pensar acontece o homem. O acontecimento em que o humano aparece é o pensar. Os verbos ser e pensar dizem o homem. O homem é a conjugação de ser e pensar, o entrelaçamento de ser e pensar no aparecer.
Γένοί é a palavra que aparece na versão de Pindaro na II Ode Pítica (v. 72). A palavra usada por Platão e Pindaro é traduzida para o português por conjugação do verbo conhecer. A palavra guarda em sua compreensão como conhecimento não o que se apreende e se representa apenas intelectual e racionalmente, podendo até mesmo ser passível de acúmulo e estoque. Conhecer não no sentido de processar, mas no sentido que ressalta sua relação de coincidência com o nascimento das próprias descobertas e escolhas, o conhecimento em seu dar-se simultâneo à geração do que se leva a si, sendo propriamente o que eleva a si. Esse sentido é melhor explicitado pela palavra que aparece à frente da sentença gravada no Portal do Templo de Apoio em Delfos Γνώθι
A troca das palavras não muda o sentido da máxima, mas mistura e ressalta a copertença de conhecimento e geração. Conhecer é nascer-com – A sentença assim conclama que se venha a nascer conforme a essência que se é: o vazio do nada reivindica o homem a vir a ser em sentido próprio.
O nada é o silencio que clama reivindicando a apropriação de mim, por sobre mim. A necessidade de vir a ser é imposta ao homem pelo nada de sua condição de abertura a ser: compreender é o poder ser humano.
(…)
Γνωθι – dá voz à compreensão de ser, diretamente, e o diz pelo aoristo -aspecto-temporal do verbo grego, em caráter imperativo. O tempo verbal grego aoristo indica que a duração da ação é indeterminada, por vigorar sempre, em todo tempo a qualquer tempo, passado presente e futuro: Torna- te – o conhecer como a virtude de ser. O conhecimento assim, afirma-se como a própria dinâmica criadora.
Γίγνεσθαι- diz o gerar, o aparecer, o surgir, o criar.
Είδεναι – diz o o ver, o saber, o conhecer.
Είδεναι e γίγνεσθαι – saber e aparecer são o mesmo movimento, o mesmo acontecimento. Saber é aparecer, como tornar-se em sentido apreensivo – παραλαμβανειν, do acolhimento – δείχεσθαι, que suporta a elevação άναμενειν, em espera cuidadosa, servindo e cuidando – δουλευίν: é por esperança e amor que o homem se entrega ao mistério de ser da vida, que como princípio divino é partida e chegada). O tornar-se o que se é revela-se com o mesmo sentido do conhecer-se a si mesmo.
Toda e qualquer tradução, interpretação ou versão – o que quer que se refira ao trabalho de Hermes, a hermenêutica: o envio de sentido de ser através da linguagem – lida sempre com a multiplicidade de sentido de uma palavra. Há sempre aí, rigorosamente, uma escolha, colhida pelo sentido que se faz ecoar, porvindouramente.
Γενεσθαι e είδεναι, o gerar e o conhecer, o criar e o saber diferenciam-se, e, revelam-se por sua proximidade como Γνωθι – O tornar-se como o ser pelo saber ao sabor de ser. O saber acerca de ser como saber-ser
Tornar a ser e conhecer combinam-se na e pela apreensão de ser – o tornar-se o que se é, aparece como conclamação de ser pelas inscrições do frontispício do Templo de Apolo em Delfos, em que o conhecer e o vir a ser se imbricam em tornar-se o que se é – o nada de ser e não-ser – impulsiona o aparecer, o permanecer, e o perecer. Círculo. O saber acerca de ser (nada) e o ser acerca de saber (do nada) é o que possibilita e provoca o tornar-se próprio: o saber da necessidade de precisar tornar-se; é diretamente o apropriar-se de ser.