POL 269b-272d: A lei geral domina estas três tradições

ESTRANGEIRO — Todos esses sucessos resultaram do mesmo fenômeno; e não somente esses, mas outros ainda mais espantosos. Pelo longo tempo que se escoou, uma parte deles foi esquecida, enquanto outros transformaram-se em episódios isolados. Ninguém, todavia, falou da causa desses sucessos a qual agora, deveremos conhecer, pois que ela nos será útil para definir a natureza do rei.

SÓCRATES, O JOVEM — Disseste bem. Conta-a, e nela não suprimas nada!

ESTRANGEIRO — Escuta! Este universo, em que estamos, algumas vezes é o próprio Deus que lhe dirige o curso e preside à sua revolução; outras vezes, terminados os períodos que lhe foram determinados, ele o deixa seguir; e então, por si mesmo, o Universo retoma o seu curso circular, em sentido inverso, em virtude da vida que o anima e da inteligência que lhe foi dada, desde a sua origem, por aquele que o criou. Esse movimento de retrocesso faz parte necessariamente da sua natureza, pelo motivo seguinte.

SÓCRATES, O JOVEM — Que motivo?

ESTRANGEIRO — Somente ao que há de mais divino convém conservar sempre as mesmas qualidades, permanecer no mesmo estado e ser sempre o mesmo. A natureza corpórea não participa dessa ordem. O que chamamos céu e mundo, apesar dos muitos dotes esplêndidos que recebeu de seu criador, está preso à sorte do corpo. Por isso é impossível que fique eternamente alheio à mudança e, na medida de suas forças, move-se no mesmo espaço, com um movimento mais idêntico e mais uno de que é capaz. Eis por que foi animado do movimento de retrocesso circular que dentre todos é o que menos o afasta de seu movimento primitivo. Ser a causa contínua de sua própria rotação não é possível senão ao que rege tudo aquilo que se move. Esse ser, porém, não pode mover-se, ora num sentido, ora no sentido contrário. Por estas razões todas não podemos afirmar que o mundo seja a causa contínua de sua própria rotação nem dizer que toda ela, sem interrupção, é dirigida por um deus nas suas revoluções contrárias e alternadas e muito menos que ela se deve a duas divindades cujas vontades se opõem. Mas, como dizia há pouco, a única solução que resta é que umas vezes ela seja dirigida por uma ação estranha e divina e assim, recebendo uma nova vida, recebe, igualmente de seu autor, uma nova imortalidade, que outras vezes, abandonado a si mesmo, caminhe em retrocesso durante milhares e milhares de períodos, pois que a sua grande massa se move num perfeito equilíbrio sobre um eixo extremamente pequeno.

SÓCRATES, O JOVEM — Tudo o que acabas de dizer parece estar bem próximo da verdade.