ESTRANGEIRO — Retomemos então o raciocínio e há pouco: milhares de rivais disputam ao gênero real a honra dos cuidados que ele dispensa às cidades; para bem isolá-los é preciso, naturalmente, separá-los; e para tanto é que dissemos ser necessário um paradigma.
SÓCRATES, O JOVEM — Exatamente.
ESTRANGEIRO — Que paradigma poderíamos tomar, o qual, embora curto, pela sua analogia com as operações da política nos permitisse encontrar, por comparação, o objeto que procuramos? Concordas, por Zeus, meu caro Sócrates, que na falta de melhor, tomemos a tecedura por exemplo? Se assim concordas, tomemos não toda e qualquer tecedura, mas somente a de lã: pode ser que somente ela baste para testemunhar o que nós procuramos.
SÓCRATES, O JOVEM — Por que não?
ESTRANGEIRO — E por que, tendo até aqui distinguido as diferentes partes para, a seguir, dividi-las, não procedemos agora da mesma forma relativamente à tecedura? E por que não havemos de tentar conhecê-la numa visão rápida, para voltarmos logo ao que nos é útil no momento?
SÓCRATES, O JOVEM — Que queres dizer?
ESTRANGEIRO — À medida que assim fizer, responderei à tua pergunta.
SÓCRATES, O JOVEM — Disseste bem.
ESTRANGEIRO — Pois bem, tudo o que fazemos ou adquirimos nos serve ou como meio para alguma ação ou para prevenir-nos de algum sofrimento. Do que nos previne, há os antídotos divinos ou humanos, e há os meios de defesas. Dentre estas defesas, umas são armaduras de guerra, outras abrigos. Dos abrigos, uns são providências contra o frio e o calor, e dentre estes há os telhados e os tecidos. Os tecidos, por sua vez, ou servem como cobertas ou como vestimentas, e estas se compõem de uma ou de várias peças. As vestimentas de várias peças são costuradas ou não, e dentre as que não são costuradas umas são feitas de fibras de plantas e outras de pelos. Das que são feitas de pêlo, umas são ligadas com água e terra, e noutras os próprios pelos se entrelaçam. Ora, a estes meios de defesa, e a estes tecidos feitos de pelos que se ligam uns com os outros é que se deu o nome de vestimentas. Pois que demos o nome de política à arte que se ocupa da polis, daremos, da mesma forma a esta nova arte que se ocupa especialmente das vestimentas, atendendo ao seu objeto, o nome de arte vestimentária. Não poderemos dizer, então, que a tecedura, na medida em que ela é a parte mais importante na confecção da vestimenta, em nada se distingue da arte vestimentária, a não ser pelo nome, da mesma forma como a arte real só difere em nome da arte política?
SÓCRATES, O JOVEM — Sim, seria perfeitamente justo.