Excerto traduzido de CASSIN, Barbara (ed.). Dictionary of Untranslatables. A Philosophical Lexicon. Princeton: Princeton University Press, 2014 (epub)
A dificuldade de traduzir polis é menos uma questão de linguagem do que de história. Nenhuma entidade política moderna é idêntica à antiga polis. Geralmente vivemos em estados, cada um dos quais com soberania legal sobre uma comunidade de indivíduos, famílias e classes chamada “sociedade” e cujos membros sentem-se unidos por uma semelhança na linguagem, cultura e história chamada “nação”. No entanto, embora a polis grega apele aos três elementos do sistema jurídico, interdependência social e identidade histórica, ainda assim se distingue do que chamamos de “estado”, “sociedade” ou “nação”.
Todo grego se sentia conectado à sua polis por um apego tão forte que muitas vezes estava preparado para sacrificar seu tempo pela administração e sua vida pela defesa, e ele temia mais o castigo do exílio do que qualquer outro. No entanto, esse sentimento não era exatamente nacional, se por “nação” queremos dizer uma comunidade de língua e cultura (o que os gregos chamavam de ethnos [ἔθνος], e que eles distinguiam precisamente da polis), não exatamente patriótica, pois é menos menos um relacionamento com uma “terra nativa”, com um território, do que aquilo que os gregos chamavam de chôra [χώϱα], uma consciência de pertencer a uma comunidade humana unida por um passado compartilhado e um futuro a ser construído em comum.
Cada comunidade foi unida por instituições que tinham um poder soberano sobre todos os seus membros e seus grupos constituintes. Isso relaciona a polis ao estado moderno, se entendermos, assim, a autoridade que “reivindica com sucesso o monopólio do uso legítimo da violência” (Weber, Politik als Beruf). No entanto, uma polis não é exatamente um “estado”, cujo conceito é correlativo ao do indivíduo e da “sociedade”. O estado aparece como uma instituição legal onipotente, anônima e distante, contra a qual as liberdades individuais devem – sempre e novamente – serem defendidas: o estado é “eles” contra “nós” – e “nós” somos indivíduos ou sociedade. O mesmo não se aplica à polis: a pressão exercida pela polis ainda é exercida por “nós”, como tal, pela comunidade como um todo. Nesse sentido, a liberdade do indivíduo é avaliada não por sua independência em relação ao estado, mas pela dependência do coletivo em relação a ele, ou seja, à sua participação na polis.
A polis é, portanto, antes de tudo, uma comunidade com uma permanência transgeracional e uma identidade transfamilial, cujos membros sentem uma solidariedade transcendendo todos os laços de sangue. Nesse sentido, está relacionada a uma “sociedade”. Mas não é uma “sociedade” no sentido moderno, por duas razões complementares. Antes de tudo, negativamente, porque para os gregos, as relações sociais e econômicas pertenciam à esfera do oikos [οἶϰος] e não à da polis – isto é, eram particulares, não públicas. Segundo, a polis não é um contexto neutro de troca ou circulação de mercadorias, mas o centro de uma experiência histórica, passada e futura, real ou imaginária; em outras palavras, a unidade dessa comunidade não surgiu da interdependência de seus membros, mas da ação com vistas a administrá-la ou defendê-la: era uma unidade política.
A polis não é, portanto, nem uma nação, nem um estado, nem uma sociedade. Não existe negativamente, por inadequação, mas positivamente, por definição. O que constitui a polis é a identidade da esfera do poder (que para nós diz respeito ao “estado”) e da esfera da comunidade (que para nós é organizada em “sociedade”), e é a esta unidade que cada indivíduo se sente afetivamente vinculado (e não à “nação”). Assim, podemos entender por que os primeiros pensadores políticos foram capazes de tomá-la como objeto e modelo: enquanto estavam cientes da singularidade da polis, viram nela o conceito de “comunidade política” em geral. Assim, de acordo com Platão, Protágoras pensava que os homens deveriam viver em poleis porque não possuíam as qualidades biológicas de outros animais que os encaixam na luta pela vida e, portanto, têm que se unir mostrando as virtudes necessárias à vida em comum (Platão, Protágoras, 320c-322d). Platão vê a polis como derivada da necessidade de que os humanos cooperem e se especializem (República, 2.369b-371e). Aristóteles vê o homem como sendo, por definição, um “animal político” (Política, 1.1253a 1–38), isto é, “alguém que vive em uma polis” e, com isso, devemos entender não apenas um “animal social”, mas também um ser que só pode ser feliz se ele puder decidir livremente, com seus colegas, o que é certo para a vida em comum. É como se a particularidade da polis, na qual a esfera da comunidade se funde com a do poder, tivesse tornado possível o pensamento político. É por isso que a polis não é o estado nem a sociedade, mas a “comunidade política”.