Por que Platão usou a forma de diálogo em seus escritos? [Blondell, 2002]

A analogia com o drama, a epopeia e outros gêneros relacionados é, portanto, uma maneira proveitosa de chegar a um acordo com aspectos do caráter “literário” dos diálogos de Platão. Mas isso não significa que as obras de Platão sejam realmente dramas ou épicos, em qualquer sentido literal. O diálogo socrático é literalmente sui generis. Uma ênfase exagerada na analogia com o drama teatral, em particular, pode ter resultados estranhos, como o julgamento de que os diálogos são fracassos literários. Devemos interpretar e avaliar as obras de Platão em seus próprios termos, permanecendo sensíveis não apenas às suas semelhanças com outras formas “dramáticas”, mas também às suas diferenças. A mais marcante delas é o fato de que os personagens de Platão estão engajados em “fazer” algo bastante diferente da maioria das pessoas representadas dramaticamente. Como os personagens da tragédia e da comédia, eles “fazem” coisas como caminhar, discutir, comer e beber, fazer discursos e escolhas importantes de vida ou morte, soluçar e morrer; mas eles também “fazem” filosofia, de forma crítica e criativa, desafiando a sabedoria convencional e expondo ideias originais. Essas explorações filosóficas são inequivocamente marcadas como tal e constituem, de longe, o maior componente de cada diálogo (exceto, talvez, Apologia e Menexeno).

O fato de as pessoas representadas nos diálogos de Platão estarem fazendo filosofia é fundamental para o julgamento usual de que essas são obras de filosofia, em oposição a obras filosóficas de literatura. Mas esse critério, por si só, não é suficiente para sustentar essa distinção. As obras “literárias” podem ser consideradas “filosóficas” por uma variedade de razões, sem se tornarem, portanto, obras de filosofia — por exemplo, porque refletem ideias ou influências filosóficas, ou transmitem uma determinada visão do mundo, ou representam personagens interessados em filosofia ou que vivem uma vida filosófica. Mas as obras de Platão se distinguem de quase todas essas, não apenas pela quantidade de discussão filosófica que contêm, mas também pela originalidade das ideias que exploram e pela explicitação com que o fazem. Todas essas características podem ser encontradas, em graus variados, em grande parte da tragédia grega e no drama posterior (Shakespeare, Shaw) e, mais recentemente, nas obras de Iris Murdoch ou Tom Stoppard. Porém, nenhum desses textos “dramáticos” posteriores se aproxima da proporção de argumentos filosóficos explícitos e originais que encontramos nas obras de Platão. No recente esforço para contextualizar os argumentos de Platão com relação à forma literária e ao meio cultural, é fundamental lembrar que esses argumentos são, em um grau esmagador, o assunto principal de seus “dramas”. A crítica “dramática” ignora isso por sua conta e risco.

Por que, então, Platão optou por escrever filosofia nessa forma peculiar? Não há uma resposta direta a essa pergunta, principalmente porque Platão nunca nos diz em sua própria voz a(s) razão(ões) de qualquer coisa que diga ou faça. Isso, por si só, sugere que a forma de diálogo é intrínseca aos propósitos de Platão de uma forma que não foi para escritores posteriores, de Aristóteles a Hume, que compuseram diálogos, mas também tratados. Platão também nunca nos mostra nos diálogos como usá-los. As cartas são, é claro, uma questão diferente, pois são escritas na primeira pessoa. Mas mesmo quando um autor fala em sua “própria” voz, ainda surgem questões de persona, voz e gênero. A Sétima Carta de Platão, em torno da qual a discussão geralmente gira, não é uma confissão pessoal íntima, mas uma peça polida e altamente polêmica, destinada à distribuição pública, com sua própria persona autoral e agenda retórica. Os estudiosos extraíram muito sobre o propósito da forma de diálogo de sua declaração de que Platão nunca escreveu sistematicamente suas ideias e de suas observações sobre o processo pedagógico (341 a-e). Mas mesmo que suponhamos que essa carta seja autêntica, devemos ter em mente que ela é evidentemente posterior a muitos dos diálogos e não há nenhuma indicação de que tenha sido composta para ser usada como uma “chave” para entendê-los. Em resumo, os diálogos chegaram até nós sem um manual de instruções. E por um bom motivo. Fornecer tal manual, mesmo que ele nos aconselhasse a ler os diálogos de forma não dogmática, seria adotar a postura de um dogmático. A Sétima Carta nos diz o óbvio — que os diálogos não são tratados que contêm uma exposição sistemática dos pontos de vista do próprio Platão. Por inferência, ela também nos diz que o significado da forma do diálogo deve ser encontrado na própria forma. Mas não precisamos da Sétima Carta para nos dizer isso, já que está inscrito nos próprios diálogos, que indicam, por sua forma, que só podemos inferir o propósito de sua forma a partir de seus efeitos.

Quanto a esses efeitos, estou de acordo com muito do que foi escrito nas últimas décadas sobre o uso da forma de diálogo por Platão. Para simplificar consideravelmente, duas das funções mais evidentes e indiscutíveis dessa forma, a meu ver, são evitar o dogmatismo platônico e atrair o leitor como participante da discussão. Evitar o dogmatismo é um fato formal simples, que está de acordo com a definição de forma dramática como a ausência de uma voz autoral ou narrativa. Como Platão nunca fala em sua própria voz, ele nunca adota uma postura pedagógica dogmática ou autoritária em relação ao seu público ou leitores. Isso é verdade em todos os diálogos, simplesmente em virtude de sua forma, mas em alguns deles, como vimos, Platão chama atenção especial para isso por meio de estruturas narrativas complexas que distanciam ainda mais o texto de qualquer pretensão de pronunciamento autoritário. Isso o coloca no polo oposto da tradição épica de inspiração divina, na qual a autoridade das Musas endossa a sabedoria humana do narrador. Em um mundo assim, o “mestre da verdade” é o poeta, o profeta ou o rei. Como diz Eva Stehle, “a construção cultural grega de um orador é um homem que tem ou reivindica autoridade e pressiona seu caráter sobre os outros enquanto busca aumentar sua honra”. A tradição filosófica anterior a Platão havia se apropriado dessa postura. Parmênides empregou uma deusa para situar o discurso de seu protagonista em um nível sobre-humano, e Empédocles chegou a afirmar que ele próprio era um deus (DK 31 B.112.3-4). As reivindicações de conhecimento apresentadas sob tais auspícios tendem a ter um tom fortemente autoritário. Mas Platão evita esses modelos.

[BLONDELL, R. (ED.). The play of character in Plato’s Dialogues. Cambridge, UK New York: Cambridge University Press, 2002.]