As datas do nascimento e da morte de Heráclito são desconhecidas. Sabe-se, porém, que atingiu o acme de sua existência na época da 69a Olimpíada, entre 504 e 500 a.C. Isto é suficiente para situá-lo uma geração após Xenófanes, ao qual se opôs, e uma geração antes de Parmênides, o seu principal opositor. De sua vida, pouco se conhece; supõe-se que tenha pertencido à aristocracia de Éfeso e que seus antepassados foram os fundadores da cidade. Mas parece que Heráclito abdicou dos seus direitos de participar do governo da cidade. Chamavam-no de orgulhoso, pois desprezava seus concidadãos e levava uma vida à parte. Cognominado de “obscuro”, relata-se que teria depositado o seu livro no templo de Ártemis, mas esta e as muitas lendas que se contam sobre a sua vida, não têm fundamento histórico.
Aspectos fundamentais da doutrina:
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A afirmação da unidade fundamental de todas as coisas: frags. 10, 50, 89,103.
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Todas as coisas estão em movimento: frags. 12, 49a, 88.
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O movimento se processa através de contrários: frags. 8, 10, 23, 48, 51, 52, 53, 54, 62, 65, 67, 76, 80, 88, 126.
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O fogo é gerador do processo cósmico: frags. 30, 31, 60, 90.
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O Logos é compreendido como inteligência divina que governa o real: frags. 1, 2, 16, 30, 32, 41, 64, 67, 93, 94, 102, 108, 112, 113, 114, 115.
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A sabedoria humana liga-se ao Logos: frags. 19, 23, 34, 35, 45, 72, 101, 108, 112, 113, 115, 116.
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O conhecimento sensível é enganador e deve ser superado pela razão: frags. 7, 9, 78, 101a, 107, 123.
Deixamos Heráclito para o fim, por duas razões que, de algum modo, sem sabermos por ora quais sejam, devem andar estreitamente correlacionadas. A primeira é que o filósofo não tem lugar na «história» da filosofia grega, se por tal entendemos o desenvolvimento do que se chama «filosofia», em qualquer direção bem definida a partir de problemas enunciados, de Tales de Mileto a Proclo de Atenas, isto é, do primeiro dos pré-socráticos ao último dos neoplatônicos. Heráclito não pode ser posto depois de qualquer um e antes de qualquer outro, por intrínseca necessidade de uma evolução do pensamento, seja qual for a ideia que se proponha como propulsora de uma evolução. Se, ainda hoje, compêndios e tratados de história da filosofia lhe designam um lugar que, com raríssimas excepções, é o da imediata precedência a Parmênides, o facto se deve, certamente, à parcialidade de um mal-entendido, voluntário ou involuntário. E a segunda é que o «obscuro» Heráclito permanece na obscuridade e ainda não vemos que luz possa esclarecê-lo. Ao que nos parece, os estudos mais recentes só penetram até o ponto, do qual bem se avista o que ele jamais pensou. Damos, por flagrante exemplo, a obra de Kirk (1954), mostrando com perfeita clareza o lugar e o tempo de onde arranca o erro de interpretação que viciou a história. Não há certeza mais certa do que esta: a «fluência» de todas as coisas não é a primeira nem a última palavra de Heráclito; nem sequer é palavra que alguma vez tenha designado o quer que Heráclito tenha por verdade a realidade: o pánta rhei é um dos maiores ludíbrios da história. A seguir vem a «dialéctica». Também não se vê o que possa ter iludido Hegel, a ponto de proclamar que todos os fragmentos de Heráclito foram incorporados na sua Lógica, o que, evidentemente, quer dizer que, por pouco, Heráclito falhara o alvo que ele se propôs atingir. «Fluência» da realidade e «dialéctica» dos contrários, uma em grau maior outra em grau menor, mais obscurecem a obscuridade do «obscuro» filósofo de Éfeso. Para Heráclito, o lugar predileto da história é o do adversário inominado, a quem Parmênides se oporia expressis verbis, no frg. 6. Porém, o mais que desses versos se infere é que eles poderiam referir-se a Heráclito (Mansfeld, cap. i) se demonstrável fosse, mediante provas internas ou externas, que Heráclito cronologicamente precedeu Parmênides, e, ainda, que Parmênides tivesse conhecimento da obra de Heráclito. Mas «a data de Heráclito tem de assentar em mera conjectura, e sua cronologia relativa, em provas internas, valham o que valerem tais provas. Na história da filosofia clássica, poucas fantasias têm tão picante ironia, quanto a ainda demasiado frequente confiança em provas externas, para datar Parmênides após Heráclito» (Stokes, 1971, p. 109). E quanto a provas internas: «pode dizer-se, por exemplo, que, se Parmênides conhecia a obra de Heráclito, seria possível, talvez mesmo provável, que Parmênides tinha Heráclito em mente, como principal representante de alguma das concepções que rejeita. Restam-nos algumas 'reminiscências' verbais, cujo efeito, se algum têm, há-de ser, evidentemente, considerado como acumulativo. Se há filólogos que prefiram decidir-se pelo efeito acumulativo, pouco ou nada se poderá fazer no sentido de que mudem de opinião. Mas o efeito acumulativo de 'nadas' é coisas nenhuma, e pode legitimamente duvidar-se que alguma das alegadas reminiscências tenham qualquer efeito; seria excessivamente difícil especificar uma só passagem de Parmênides que necessite a postulação de uma referência a Heráclito, para torná-la inteligível ou evidente. Se Parmênides e Heráclito têm em comum alguns elementos vocabulares, isso nada prova; ambos eram gregos, ambos, pelo menos no essencial, escreveram em dialecto jônico, e eram próximos contemporâneos. Não posso achar qualquer razão para supor que qualquer um tivesse conhecimento do outro» (ibid., pp. 126-127).
Heráclito de Éfeso, na Ásia Menor, é aproximadamente contemporâneo de Parmênides, embora filosoficamente deva ser considerado seu sucessor, pelo fato de mover-se dentro da dialética parmenídica do ser e do não ser. Foi chamado o obscuro, por seu estilo breve e alusivo, muitas vezes difícil de interpretar-se. Heráclito entende a realidade como algo que varia de um modo constante, que flui como um rio, que nunca é o mesmo que antes. É como um fogo — o elemento mais móvel e ativo — que continuamente se acende e se apaga. A alma melhor é a que se assemelha ao fogo, a mais seca; sua inferioridade consiste em fazer-se úmida como o barro ou converter-se em água.
Mas, por outro lado, o homem participa de um certo princípio chamado sophón — o "sábio" —, que é uno, sempre e separado de todas as coisas. Pelo nus, o homem tende ao sophón — cujos predicados coincidem com os do ente de Parmênides — e assim é philósophos, filósofo.
"Heráclito diz que a alma é uma centelha da substância estelar." (Macróbio, Sonho de Cipião, I, 14, 19.)
"Para as almas, se converterem em água é a morte; para a água, tornar-se terra é a morte. Porém da terra se faz a água; da água, a alma." (Fr. 36 de Diels.)
"Todas as coisas que vemos despertos são morte; as que vemos dormindo, sonhos (mas as que vemos mortos são vida)." (Fr. 21 de Diels. A frase entre parênteses é um complemento de Diels, que supõe uma escala psíquica: vida, sonho, morte, paralela à física: fogo, água, terra.)
"Procurei-me a mim mesmo." (Fr. 101 de Diels.)
"Não encontrarás os limites da alma, ainda que avances por todos os caminhos; tão profunda é sua medida." (Fr. 115 de Diels.)
"Ao morrerem os homens, aguardam-lhes coisas que não esperam nem imaginam." (Fr. 27 de Diels.)
Os fragmentos de Heráclito foram publicados em uma excelente edição por Bywater (The fragments of the work of Heraclitus of Ephesus on nature; translated from the Greek text of Bywater , with an introd. historical and critical). Pode-se consultar também Diels: Herakleitos von Ephesos: griechisch und deutsch.