O que se conhece da figura de Pitágoras pertence mais ao mundo da lenda que à realidade. Atingiu o acme de sua existência em 530 a.C. Pessoa de difícil acesso, fundou uma escola para iniciados, e defendia uma doutrina mais religiosa que filosófica. A doutrina era considerada secreta, e a transgressão desta norma acarretava excomunhão; tal teria sido o castigo de Hípaso. fá por esta razão tem-se por certo que Pitágoras não deixou obra escrita, e o conhecimento de sua doutrina coloca problemas insolúveis, pois só mais tarde, no tempo de Platão, começaram a surgir os primeiros escritos importantes. O que se conhece de seu pensamento é baseado nestas fontes posteriores, não sendo possível, em consequência, ir muito além da conjetura. Embora não haja certeza, é provável que tenha estado no Egito e na Babilônia, viagens fundamentais para o desenvolvimento de sua doutrina esotérica. Mas importante para este desenvolvimento foi o surto de primitivas crenças gregas, que se verificou em sua época.
Parece que o ponto central de sua doutrina religiosa é a crença na transmigração das almas, aliada a uma forma de vida altamente ascética. Este ascetismo liga-se basicamente ao problema do sacrifício de seres vivos e à alimentação. Mas não há nenhuma certeza sobre o conteúdo e a extensão destes elementos. Também é difícil estabelecer os aspectos da doutrina atribuíveis ao próprio Pitágoras e distingui-los dos que foram elaborados pelos seus discípulos. Em três pontos, contudo, parece que não pode haver dúvida: 1) a ideia de que o Número é o primeiro princípio; o Número e suas relações ou “harmonia” são os elementos de todas as coisas; o estudo do Número reflete-se também no comportamento humano. 2) A forma dualista da teoria dos opostos, de tão largas consequências para todo o pensamento pré-socrático, também pode ser atribuída a Pitágoras. 3) A descoberta de verdades de ordem matemática, sobretudo do famoso teorema que lhe é atribuído.
Pitágoras nasceu em Samos, ilha da costa jônica, cerca de 570 a.C, e é sem dúvida por motivos ético-religiosos e políticos que se exilou por volta de 530, numa idade mais madura que Xenófanes: o "tirano" Poliorates lançava Samos na conquista brutal da prosperidade e do luxo, indo de encontro assim às velhas tradições de misticismo e de ascetismo bem como ao amor intelectual à ordem e à medida, que marcaram, como se pode supor, a personalidade de Pitágoras (não sem analogia com a de Xenófanes). Pitágoras se instalou em Crótona, no sul da Itália, onde obteve uma influência dominante graças à confraria que aí fundou; a maioria das cidades da Grande Grécia tinha que encontrar um equilíbrio entre forças sociais violentamente opostas e os pitagóricos ajudaram-nas eficazmente elaborando constituições. É verdade que seu "puritanismo" conservador e seu autoritarismo de minorias inspiradas provocaram várias revoluções, o que deslocou o centro de gravidade do movimento, não sem enfraquecê-lo, da Itália para a Grécia continental. O próprio Pitágoras, banido de Crótona, teria morrido no sul da Itália, em Metaponto, cerca de 490 a.C.
No centro do pitagorismo juntam-se a convicção da imortalidade da alma, a aspiração da salvação e, para obtê-la, a prescrição de um modo de vida determinado, comportando uma purificação pela contemplação intelectual (theoria, phylosophia). A inspiração religiosa de Pitágoras se afasta tanto do otimismo prosaico dos milesianos quanto da piedade aristocrática dos poemas homéricos, um e outro dotados de um sólido amor à vida perecível e de nenhum modo inclinados a sonhar com uma imortalidade bem-aventurada; ela é próxima, ao contrário, do que certamente cumpre considerar como crenças do "povinho" a viver sob duras condições, crenças que as aristocracias mais tarde suplantadas teriam retomado, refinando-as mais ou menos. A vida terrestre surge então como um templo de provação: há que se esforçar por "se assemelhar ao divino" a fim de escapar à "ronda de nascimentos" que traz de volta à Terra em encarnações diversas os que ainda não se revelaram bastante puros para uma eternidade de bemaventurança supra-terrestre. Convém, pois, cultivar neste mundo a moderação, a ordem, a doçura. Política, religião, medicina e música têm igualmente que suprimir os conflitos e as violências; um traço de união capital aparece entre a terapêutica sagrada da lira de Orfeu e a definição numérica da justa medida que reconcilia as facções na cidade, quando Pitágoras descobre que os números comandam também a música e que os acordes musicais correspondem a proporções simples. A noção de harmonia se estende a partir daí ao cosmos inteiro, numa religião aritmológica que retoma também, certamente, velhas tradições de magia dos números ao mesmo tempo que tira talvez algum ensinamento da experiência da moeda (como organização quantitativa da diversidade qualitativa das mercadorias).
A tetraktys, soma dos quatro primeiros números inteiros, é seu símbolo sagrado: ela basta para definir os acordes de oitava, de quinta e de quarta, os quatro números são associados respectivamente ao ponto, à linha, à superfície e ao volume assim como às distâncias da Terra à Lua, ao Sol e aos astros fixos etc. Toda realidade é, pois, constituída, em sua perfeição, como que musical, por números; os números, como conjunto de pontos, deixam-se dispor em figuras e, sobretudo, as realidades em geral consistem em misturas dosadas com precisão, segundo uma regra definindo em cada caso a essência. A justa proporção, a harmonia, une e concilia pacificamente os componentes que, abandonados a si próprios, se opunham violentamente. Mas o ponto capital é a existência de duas espécies de polaridades bem distintas: o mais e o menos, o agudo e o grave etc, são pares de opostos harmonizáveis e sem conflito, ou, antes, sua instável desordem apenas se manifesta se a medida não lhes é imposta; eles formam, pois, juntos, numa oposição desta vez fundamental, um só termo, o indeterminado, o apeiron, submetido à determinação benéfica e pacificadora de um termo superior, o limite. O pitagorismo é nesse sentido francamente dualista: é a partir da fixação do indeterminado pelo limite que são constituídos o cosmos e tudo o que ele abarca e, em primeiro lugar, os próprios números como distintos de suas aplicações múltiplas. O limite, ou unidade suprema que instaura uma universal afinidade entre as coisas, imóvel alma do mundo, que rege sua ordem e sua beleza, é o próprio Deus, o Deus ao qual as almas puras aspiram reunir-se, a fim de realizar seu destino.
Esta concepção, a despeito de seus princípios aritmológicos e musicais (com a célebre música das esferas celestes), permanece consideravelmente tributária da cosmologia milesiana; indiquemos simplesmente que ao parafraseá-la, ela a modifica e amplifica e que, certamente, nela o cosmos é imperecível. A originalidade do pitagorismo resulta evidentemente muito mais do seu ideal de precisão que diviniza o limite e das especulações matemáticas que nos fazem semelhantes a Deus. Certamente corre-se o risco de superestimar a importância do pitagorismo antigo no desenvolvimento das matemáticas se não se leva em conta, por exemplo, que o enunciado do teorema "de Pitágoras" era conhecido dos babilônios do II milênio e sobretudo o fato de Pitágoras ter passado a metade de sua vida no meio jónico, onde as matemáticas aplicadas faziam sensíveis progressos. Contudo, a investigação de propriedades notáveis dos números foi indubitavelmente estimulada por sua promoção religiosa à dignidade de realidades particularmente interessantes em si mesmas e o sentimento profundo de sua unidade genética não pode senão fazer progredir, e provavelmente de maneira decisiva, o sentido da demonstração. A título de exemplo, engendra-se a sequência dos quadrados pelo método do esquadro ou gnomon: em linhas de pontos formando ângulo reto, ajunta-se à unidade os ímpares sucessivos, o que demonstra geometricamente que n2 + (2n + 1) = (n + 1)². O descontinuismo pitagórico se chocou, nos meados do século V, com a descoberta do primeiro "irracional", raiz de 2 (incomensurabilidade da diagonal do quadrado com o lado), e disso resultou talvez uma cisão ou pelo menos a afirmação de divergências entre os "fiéis" (acusmáticos) e os "sábios" (matemáticos), os primeiros ligados aos ritos, os segundos desejosos de conservar o intelectualismo da confraria, e, consequentemente, mais inclinados a renovar. O movimento dá testemunho, aliás, de uma grande flexibilidade de adaptação e de evolução, em função tanto dos deuses da religião oficial quanto das filosofias novas, e pode-se julgar com grande plausibilidade que desde as origens, apesar de seus acessos de sectarismo político, a pequena célula formada pelos "iguais" admitia sempre à sua volta um grande círculo de simpatizantes.
Entre estes encontrou lugar um notável médico filósofo de Crótona, Alcmeon, que reconhecia o cérebro como sede do pensamento, concebia a alma como movimento circular e a aproximava, em consequência, dos astros, e definia a saúde em termos de política pitagórica pela isonomia, ou igualdade constitucional dos componentes do organismo. Explica-se assim a imensa influência do pensamento pitagórico, aliás conciliador e sintético na própria fonte, se é verdade que o gênio próprio de Pitágoras consistiu, colocando em forma expressa uma tendência importante da religiosidade do tempo, em veicular a sede de imortalidade dos cultos agrários na medida e clareza de Apolo, deus das formas nítidas e das regras bem determinadas. [J. Bernhardt]
Pitágoras nasceu em Samos, vivendo o apogeu de sua vida em torno de 530 a.C. e morrendo no início do século V a.C. O mais conhecido dos antigos biógrafos dos filósofos, Diógenes Laércio, assim resume as etapas de sua vida: "Jovem e ávido de ciência, abandonou sua pátria e foi iniciado em todos os ritos mistéricos, tanto gregos como bárbaros. Depois, foi para o Egito (...); depois, esteve entre os caldeus e magos. Posteriormente, em Creta, com Epimênides, entrou no antro de Ida, mas também no Egito entrou nos santuários e aprendeu os arcanos da teologia egípcia. Então, retornou a Samos e, encontrando sua pátria sob a tirania de Policrates, levantou velas para Crotona, na Itália. Ali, elaborou leis para os italiotas e conseguiu grande fama, juntamente com seus seguidores, que em número de cerca de trezentos, administravam tão bem á coisa pública que seu governo foi quase uma aristocracia." Talvez as viagens ao Oriente tenham sido uma invenção posterior. Mas é certo que Crotona foi a cidade em que Pitágoras operou principalmente. Mas as doutrinas pitagóricas também tiveram muita difusão em inúmeras outras cidades da Itália meridional e da Sicília: de Síbari a Régio, de Locri a Metaponto, de Agrigento a Catania. Além de filosófica e religiosa, como vimos, a influência dos pitagóricos também foi notável no campo político. O ideal político pitagórico era uma forma de aristocracia baseada nas novas camadas dedicadas especialmente ao comércio, que, como já dissemos, haviam alcançado um elevado nível nas colônias, antes ainda do que na mãe-pátria. Conta-se que os crotonienses, temendo que Pitágoras quisesse tornar-se tirano da cidade, incendiaram o prédio em que ele se havia reunido com seus discípulos. Segundo algumas fontes, Pitágoras teria morrido nessas circunstâncias; segundo outros, porém, teria conseguido fugir, vindo a morrer em Metaponto. Muitos escritos são atribuídos a Pitágoras, mas os que chegaram até nós sob o seu nome são falsificações de épocas posteriores. E possível que o seu ensinamento tenha sido somente (ou predominantemente) oral.
Podemos dizer muito pouco, senão pouquíssimo, sobre o pensamento original desse pensador, bem como sobre os dados reais de sua vida. As numerosas Vidas de Pitágoras posteriores não têm credibilidade histórica, porque logo depois de sua morte (e talvez já nos últimos anos de sua vida) o nosso filósofo já havia perdido os traços humanos aos olhos de seus seguidores: ele era venerado quase como um nume e sua palavra tinha quase o valor de oráculo. A expressão com que se referiam à sua doutrina tornou-se muito famosa: "ele o disse" (autos épha; ipse dixit). Aristóteles não tinha mais à disposição elementos que lhe permitissem distinguir Pitágoras dos seus discípulos. Assim, falava dos "chamados pitagóricos", ou seja, os filósofos "que eram chamados" ou "que se chamavam" pitagóricos, filósofos que procuravam juntos a verdade e que, portanto, não se diferenciavam singularmente.
Mas, por mais que possa parecer estranho, esse fato não é anômalo, se levarmos em conta algumas características peculiares dessa escola: 1) A escola nasceu como uma espécie de fraternidade ou ordem religiosa, organizada com base em regras precisas de convivência e de comportamento. O seu fim era a concretização de um determinado tipo de vida, para o qual a ciência e a doutrina constituíam um meio: esse meio era um bem comum, que todos alcançavam e que todos procuravam desenvolver. 2) As doutrinas eram consideradas como um segredo, do qual só os adeptos podiam tomar conhecimento e cuja difusão era severamente proibida. 3) O primeiro pitagórico a publicar alguma obra foi Filolau, um contemporâneo de Sócrates. Relata uma fonte antiga: "E de maravilhar o rigor do segredo dos pitagóricos. Com efeito, ao longo de tantos anos, parece que ninguém deparou qualquer escrito dos pitagóricos antes do tempo de Filolau. Encontrando-se em grande e dura pobreza, foi este o primeiro a divulgar aqueles celebrados três livros, que se diz teriam sido comprados por Dion de Siracusa a mando de Platão." 4) Consequentemente, entre fins do século VI a.C. e fins do século V até início do século IV a.C., o pitagorismo pôde enriquecer notavelmente o seu patrimônio doutrinário sem que possamos ter elementos seguros para realizar distinções precisas entre as doutrinas originárias e as posteriores. 5) Entretanto, como as bases sobre as quais o pitagorismo trabalhou eram substancialmente homogêneas, é lícito considerar essa escola em bloco, precisamente como os antigos já faziam, a começar por Aristóteles. [Reale]
Pitágoras foi um homem de gênio, porque é o primeiro filósofo grego a quem ocorre a ideia de que o princípio donde tudo o mais se deriva, aquilo que existe de verdade, o verdadeiro ser, o ser em si, não é nenhuma coisa; ou, melhor dito, é uma coisa; porém, que não se vê, nem se ouve, nem se toca, nem se cheira, que não é acessível aos sentidos. Essa coisa é "número". Para Pitágoras a essência última de todo ser, dos que percebemos pelos sentidos, é o número. As coisas são números, escondem dentro de si números. As coisas são distintas umas de outras pela diferença quantitativa e numérica. Pitágoras era um aficionado da música, e foi quem descobriu (ele ou algum dos seus numerosos discípulos) que na lira se as notas das diferentes cordas soam diferentemente, é porque umas são mais curtas que as outras e não somente descobriu isso, mas também mediu o comprimento relativo e encontrou que as notas da lira estavam entre si numa simples relação numérica de comprimento: na relação de um dividido por dois, um dividido por três, um dividido por quatro, um dividido por cinco. Descobriu pois, a oitava, a quinta, a quarta, a sétima musical, e isto o levou a pensar e o conduziu à ideia de que tudo quanto vemos e tocamos, as coisas tais e como se apresentam, não existem de verdade, mas antes são outros tantos véus que ocultam a verdadeira e autêntica realidade, a existência real que está atrás dela e que é o número. Seria complexo (e nem pertenceria ao tema, nem à oportunidade) demonstrar minuciosamente esta teoria de Pitágoras. Interessa-me tão-somente fazê-la notar, porque é a primeira vez que na história do pensamento grego surge como coisa realmente existente, uma coisa não material, nem extensa, nem visível, nem tangível. [Morente]
I. - Vida de Pitágoras
Nasceu em Samos, cerca de 500 a.C. Teria ido ouvir Anaximandro a Mileto e Tales teria visto nele um gênio superior ao seu. Tradições muitas vezes tardias atribuem a Pitágoras viagens ao Egito, à Babilônia ( onde teria encontrado Zoroastro), às Índias, etc. Zeller considera lendárias tais viagens, enquanto Chaignet pensa que a viagem ao Egito não poderia ser posta em dúvida. Seja como for, Pitágoras deixou Samos, desembarcou em Síbaris e partiu a pé para Crotona. Começou a pregar e atraiu a si muitos discípulos. Funda uma comunidade de homens, mulheres e crianças, na qual os bens são postos em comum, se ensina a concórdia e se exige segredo. A influência de Pitágoras na vida da cidade é considerável. Numerosas lendas envolvem a sua pessoa: seria filho de Apoio, faria milagres, recordaria as existências anteriores, goraria do dom de se deslocar instantaneamente.
Depressa atrai sobre si a ira do povo, que lhe censura o carácter aristocrático e secreto. A revolta popular estala e os Pitagóricos são massacrados.
Segundo uma tradição, Pitágoras foi queimado; segundo outra, refugiou-se no Metaponto, onde faleceu. Quando a paz voltou, foi permitido aos Pitagóricos o regresso a Crotona, mas tiveram de alterar a constituição da sua sociedade. No século IV a.C., Aristóxenes de Tarento teria conhecido os últimos representantes da escola. Pretende-se, por fim, que Filolao teria traído os segredos da seita e vendido a Dinis de Siracusa, ou a Dione, três livros contendo a doutrina esotérica, livros que Platão teria lido ou comprado, quando da sua primeira viagem à Sicília e dos quais se teria servido no Timeu.
II. - A ordem pitagórica
Em Crotona, a expressão «os Pitagóricos» não designa apenas uma escala, mas um partido, oposto ao dos ciclonianos. Daí os ódios e as querelas. O pitagorismo é, com efeito, uma sabedoria que se estende a todos os domínios, tanto do conhecimento como da religião, da estética ou da política. O recrutamento dos adeptos era feito com cuidado, segundo o aspecto, o modo de andar, os hábitos e inclinaç5es dos candidatos. A primeira iniciação durava de dois a cinco anos e compreendia várias provas (diapeira). O noviço era submetido à prova do silêncio (echemythia), limitando-se a escutar as lições do mestre, sem pedir qualquer explicação. Provém daí o nome de akousmatikoi (acusmáticos) atribuído aos principiantes. Durante esta primeira iniciação, os alunos não viam o mestre, do qual estavam separados por uma cortina. Daqui provém o nome de oi exo, os exotéricos. Em seguida, os neófitos passavam à categoria de matemáticos e, libertos do silêncio, deviam ensinar. Vinham, por último, os físicos, que estudavam os fenômenos da natureza. As mulheres são admitidas na ordem. Todos os membros devem obediência absoluta e o autos epha (foi Ele quem disse) serve de referência suprema. A seita apresenta todas as características de uma ordem monástica: passeio e oração pela manhã, jejuns frequentes, interdição de qualquer alimento animal, interdição de qualquer sacrifício religioso, por fim, proibição de comer favas, por um motivo que nunca chegou a ser verdadeiramente esclarecido. Alguns pretendem mesmo que a ordem tenha adotado uniforme, composto de uma veste de lã ou linho branco.
Terminemos, sublinhando que se levantam diversos problemas importantes, mas insolúveis. Adotaram os Pitagóricos as máximas e os usos das seitas órficas ou as seitas e mistérios órficos provieram da sociedade pitagórica? Josefo pretende que a seita judaica dos Essênios seguia um gênero de vida inspirado no pitagorismo. Creuzer pensa que não houve influência, mas apenas analogias, que se explicariam remontando às fontes persas, onde Pitagóricos e Essênios teriam igualmente bebido. (Jean Brun, "PRÉ-SOCRÁTICOS")
Os Símbolos e os Versos Áureos são atribuídos a Pitágoras (século VI a.C.); Hierócles no século V os considera exposições da doutrina pitagórica em geral. Pitágoras era considerado seguidor de Orfeu e dos sacerdotes egípcios. Os Carpocracianos veneravam sua imagem ao lado da de Cristo.
Filóstrato na vida de Apolônio de Tiana informa que o pitagorismo era um dos fundamentos da doutrina professada pelos sábios indianos.
Quando entrares no templo, adora, ali nem dirás nem farás coisa que diga respeito à vida [Templo, segundo os pitagóricos, é o coração ou a atenção.].
Não entres no templo durante um caminho sem propósito nem objetivo, nem adorarás nos becos ou nas encruzilhadas; nem diante das portas ou no vestíbulo [Se o templo é o coração, a porta é a imaginação.].
Sacrifica e adora com os pés descalços [Pés são a parte sensitiva ou animal que deve ser desnudada, descoberta, humilhada, mortificada e mostrada, conforme se prefira ler. Isidoro de Sevilha, entre as heresias sem nome, coloca também aquela que obrigava a andar sempre descalço como Moisés diante da presença de Deus. O livro de Ruth diz: «Se acontecesse que um desse ao outro a sua razão, para que fosse firme a concessão, o homem tirava o seu calçado» (Bíblia vulgar de 1471). Descalço diante de Deus é, portanto, quem se aliena de si mesmo. A ψυχή, ou gênio, era associada aos joelhos e aos pés, por isso manter o pé descalço dava liberdade, genialidade na batalha, no perigo (Tucídides III, 22; Eneida, VII, 689).].
Dos deuses e das coisas divinas nada se diz de maravilhoso que tu não devas crer.
Foge das ruas populosas, toma as vielas.
Da sépia, isto é, daquilo que tem cauda negra, abstém-te, pois pertence aos deuses terrestres [A sépia se defende espalhando sua tinta preta, turvando a água.].
Não dividas o fogo com a espada [Fogo é a alma ou a ira, nem uma nem outra devem ser tocadas com a força para perturbá-las ou aumentá-las: de qualquer forma, seria obra supérflua. Mas «corta» também a palavra (nos textos hebraicos: em Fílon, Quis. Rer., 130, e São Paulo, Aos Hebreus, 4, 12), de modo que se pode ler: não fales das coisas ígneas.].
Quando soprarem os ventos, o eco adora.
Ajuda o homem que levanta um peso, não aquele que o depõe.
Calça primeiro o pé direito nos sapatos, no lavatório o esquerdo. De Deus e das coisas divinas não fales sem luz.
Quando tiveres saído de casa ou fores peregrino, não olhes para trás, as fúrias então acorreriam.
Não urines contra o Sol [Urina são os pensamentos inúteis e lascivos, porque o excremento é estéril. Não se lancem contra a luz (entre outras coisas, sem esperança de alcançá-la).].
Alimenta o galo, mas não o sacrifiques, sendo ele consagrado ao Sol e à Lua [Galo é a parte divina e intelectual da alma, o flos animae dos Oráculos Caldeus.].
Não te sentes sobre a medida do alimento suficiente para o dia [Alguns interpretam: não entesoures, nem sejas solícito quanto ao amanhã; Kircher com Hierócles expõe: não desistas (sentando-te) de operar. Diz Fílon: «A alma recolha a porção do dia (Êxodo, 16, 4) a fim de que declare não a si, mas Deus, como guardião das coisas boas» (De interpr. al leg., III, 166).].
Não tragas esculpida no anel figura de Deus [Preceito contra a idolatria. Ou: o anel é figura do ano e da vida cotidiana, onde não se devem degradar os símbolos.].
Ao te levantares da cama, enrola as cobertas e faz desaparecer todo o teu rastro [A cama significa o sonho. A noite, o passado a não ser lembrado. É também uma exortação a abolir toda complacência.].
Não comas teu coração [O coração comido acaba entre os excrementos. Felizmente esta expressão nos nossos idiotismos conserva seus muitos sentidos.].
Os vestígios da panela, confunde na cinza [Apagar a ira é um dos significados.].
Não acolhas em casa nem andorinha nem rola [Animais estridentes ou que arrulham, cuja entrada é supérflua. Clemente de Alexandria conecta com a fábula de Tereu e diz que a andorinha é perseguidora dos insetos musicais, os quais simbolizam os místicos.].
Não navegues por terra [Nem Clemente nem Kircher fornecem explicação adequada. Sugere-a Chuang Tzu (L. Wieger, Les pères du système taoiste, Paris, 1950, p. 323: "Não se viaja por terra de barco, nem sobre a água de carruagem. Os tempos passados estão para os presentes como a água está para a terra... Confúcio se esforça em vão e atrairá desgraça, como todos aqueles que tentaram aplicar um sistema dado em circunstâncias diferentes... Certa vez, quando a bela Siceu estava irritada, tornava-se ainda mais sedutora. Uma mulher feia a viu assim e imitou-a: os ricos se trancaram em suas casas, e os pobres fugiram apavorados com suas esposas e filhos. A feiosa havia reproduzido os arroubos, mas não a beleza da bela. Assim é a paródia que Confúcio nos oferece da antiguidade."
Mas uma explicação mais esotérica vem do fato de que a mística hindu chama de "nave" o canto ritual, sendo as duas melodias fundamentais as duas embarcações com as quais se atravessa o sacrifício (Schneider, El origen musical de los animales símbolos, Barcelona, 1946).].
Poucos conhecem a libertação dos males. O destino aflige tanto a mente dos mortais que eles são como piões girando em todas as direções, impulsionados por golpes incessantes. A contenda (Éris), sua companheira congênita, os leva à ruína sem que percebam; não a alimente nem lhe resista, mas evite-a.
Zeus, pai, livrarias muitos de seus males se revelasses a cada um o demônio que ele segue.
Mas tenha fé, pois divina é a raça dos mortais, aos quais a sagrada natureza fala e se revela. Se participares dela, seguirás minhas prescrições e, assim, terás curado tua alma, libertando-a dessas aflições. Abstém-te dos alimentos que mencionei e, na purificação e libertação (lýsis) da alma, usa o discernimento; considera tudo com atenção, dando precedência ao intelecto, o melhor cocheiro. Então, ao abandonar o corpo, subirás ao livre éter e serás um deus imortal, incorruptível, ungido pela eternidade.
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