Como lá no Alto as inteligências veem pela forma única de Deus as formas dos seres criados, é normal que as vejam todas numa única visão que, se é verdadeiramente perfeita, é antes possuída no repouso do que buscada na sucessão. É provável, de fato, que as inteligências, mais ávidas de repouso que de movimento, estejam realmente em repouso onde alcançaram seu fim. Isso é evidente, pois se conhecem lá no Alto todas as espécies do universo e se, por outro lado, espécies sem número derivam de alguns gêneros, como ocorre com o número, a figura e a proporção, parece seguir-se que veem espécies de certo modo inumeráveis. Mas como é impossível passar de uma espécie a outra infinitamente, não as enumeram indo de uma a outra, mas as veem todas permanecendo em repouso.
Por outro lado, se a intelecção perpétua do ser inteligente é uma forma de vida e se a intelecção lá no Alto, devido à sua estabilidade, torna-se participante da eternidade, segue-se que se tem razão em dizer que a inteligência bem-aventurada é transportada para a vida eterna. Isso é certamente justificado, pois a inteligência humana ocupa uma posição intermediária entre as coisas eternas e as coisas temporais. Assim, assim como a operação que a une ao que é temporal é geralmente temporal, da mesma forma aquela que a une ao que é eterno é geralmente eterna. Finalmente, não vejo como a própria visão transcende o tempo, não apenas desde o princípio, mas sobretudo nesse caso, e como o objeto que é visto tanto quanto a forma pela qual é visto são o próprio repouso e a própria eternidade. A consequência é que as almas que se unem uma vez a Deus nunca se separarão dele, se de fato superaram o movimento e saciaram seu desejo natural. E como esse desejo se funda numa substância estável e está orientado naturalmente para um objeto estável, não é surpreendente que ele só almeje uma posse definitivamente estável como seu fim. Diante disso, o que há de espantoso se a inteligência eterna deseja possuir para sempre o objeto que almeja, não por outro, mas por si mesma?
Além disso, como não ignora nada das coisas naturais que estão abaixo dela, certamente não ignora qual é essa posse que lhe pertence. Consequentemente, se essa posse não deve durar, prevê que não durará e vive infeliz, pensando que deve ser um dia, e mesmo em breve, privada de uma posse que lhe é tão cara. Ademais, tudo o que adere naturalmente a um fim só é dele separado pelo uso da força. Portanto, como a inteligência está unida naturalmente, como a seu fim, a Deus, supremo objeto de seus desejos, como o próprio Deus é a causa eficiente dessa união, e como nenhuma força superior, capaz de separar um dia pela violência o que Deus uniu por sua própria vontade, pode opor-se a isso, sem dúvida, nunca ninguém poderá forçar a inteligência a separar-se dele. Ora, não se vê como ela se desviaria, seja por erro da verdade certa, seja voluntariamente do bem puro e absoluto.
Por outro lado, é evidente que a substância da inteligência não muda, que a penetração da intelecção não diminui sob a luz que a fortalece continuamente, que a luz, que é difundida desde toda a eternidade no que é eterno, nunca é retirada, que a vontade nem renuncia à posse de um todo por causa do atrativo de uma parte nem jamais se separa por desgosto ou saciedade do objeto que, por não poder ser totalmente compreendido, se apresenta manifesta e sempre a ela como novo e é possuído constantemente com a maior admiração e, portanto, com desejo. Finalmente, se quanto mais um ser se aproxima do repouso absoluto de Deus, mais imóvel se torna, as inteligências formadas pela substância divina são necessariamente completamente imóveis.