FICINO (TP:18.8.5) – TODAS AS ESPÉCIES DE INTELIGÊNCIAS PODEM SE UNIR A DEUS

Não se deve duvidar de que as inteligências humanas possam ser conduzidas à contemplação da substância divina pelo fato de serem as últimas na ordem das inteligências. Pois as inteligências angélicas também não chegam a isso por uma potência natural, mas são atraídas por uma potência divina, de certo modo sobrenatural. Ora, a diversidade das naturezas não constitui obstáculo ao efeito produzido por uma virtude sobrenatural, já que nada, em parte alguma, pode resistir à potência infinita de Deus. A potência divina move toda a máquina do universo com a mesma facilidade com que move a menor parte. Ela cura com igual facilidade tanto um doente gravemente quanto um levemente acometido. Por isso, as últimas inteligências são arrebatadas aos mistérios mais elevados pela mesma potência infundida por Deus nas inteligências superiores.

Além disso, há uma distância infinita entre Deus e a mais elevada das inteligências criadas. Ao contrário, a distância entre a primeira e a última das inteligências é finita, pois ambas são finitas. Ora, entre esses dois intervalos não há proporção apreciável. Se o finito somado ao infinito aparentemente não acarreta mudança alguma, o que impede que a própria potência divina, que num salto atravessa o espaço infinito que a separa do anjo, percorra com a mesma rapidez a ínfima distância entre o anjo e a alma, de tal modo que a alma seja arrebatada ao mesmo tempo que o anjo?

Por fim, se no gênero das inteligências, enquanto tais, há um impulso natural que as leva a contemplar o soberano inteligível que buscam e desejam ao buscar e desejar todo inteligível, segue-se que esse impulso é tão natural às inteligências inferiores quanto às superiores, e que ambas podem um dia alcançar o objeto de seu desejo natural. Isso se evidencia por esse mesmo desejo natural, que, por atrair para o infinito, só pode ser incutido, movido e atingir seu fim pelo próprio infinito. Ora, se aquilo que é movido por uma natureza inferior não é movido em vão, com mais razão ainda será o que é dirigido por uma natureza superior. Seu raio, ao transmitir-se a todos os graus de inteligência, as ilumina uma a uma, para que vejam, e as abrasa, para que amem. Ora, como o fogo e o sol geralmente propagam a luz mais longe do que o calor, é natural que, onde o raio do sol divino se propaga aquecendo, possa também se propagar ainda mais longe iluminando. Assim, do mesmo modo como aqui embaixo as inteligências humanas, abrasadas, desejam diariamente a bondade divina, também no alto, uma vez iluminadas, contemplam a verdade divina e, ao contemplarem a verdade, gozam com prazer do verdadeiro bem.