FICINO (TP:18.8.6) – NA PÁTRIA, HÁ DIFERENTES CATEGORIAS DE INTELIGÊNCIAS

Algumas inteligências podem ver a substância divina mais clara e plenamente que outras, na medida em que recebem, segundo diversos graus de perfeição, a própria luz pela qual, como matérias transparentes, são preparadas para a contemplação: que estejam preparadas umas de um modo, outras de outro, em razão da diversidade de suas naturezas ou de seus hábitos adquiridos. Ora, para nossas inteligências a principal diferença provém dos diferentes graus de amor aos quais correspondem justamente diferentes graus de visão e sobretudo de fruição. Mas embora cada uma veja todo o criado, como vamos demonstrar, no entanto do que não é criado, umas alcançam mais que outras e compreendem o que veem sob mais razões, embora todas percebam a verdadeira razão. E porque a fruição, enquanto termo, corresponde ao amor, aquelas que amaram com mais ardor, estando ligadas mais estreitamente a seu objeto, como quer o amor, são transportadas mais intimamente nesse bem, e assim o próprio hábito do amor contribuindo, sua fruição é mais doce. Portanto, se o fim das inteligências é alcançar a substância divina, nesse estágio que é como seu fi... todo desejo das inteligências se encontra plenamente satisfeito. Não estaria satisfeito se, nesse estágio, não compreendesse completamente a ordem do universo criado, pois a preocupação constante de tal inteligência é trazer o particular ao universal até o mais geral, definir o próprio ser em função de sua razão absoluta e dividi-lo distintamente em todos os seus graus, como se o intelecto fosse sobretudo destinado a ser um dia informado pela forma do universo. O que impede o intelecto, enquanto contempla a fonte do universo, de perceber o universo que dele emana? Ao contrário dos sentidos, que o objeto sensível predominante impede momentaneamente de apreender os objetos de menor importância, o inteligível predominante, longe de obstruir o exercício do intelecto para o resto, antes o fortalece de maneira admirável.

Além disso, o gênero inteligível tem mais extensão que o gênero natural. Pois além do que a natureza produz, muitas coisas são inteligíveis. Em consequência, a realização do inteligível exige tudo o que é necessário à realização do ser natural, mais muitas outras coisas. Ora, o ser inteligível só é verdadeiramente perfeito quando o intelecto alcança seu fim último, assim como a própria perfeição do ser natural consiste na ordenação mesma do conjunto das coisas. É por isso que tudo o que Deus produziu em vista da perfeição do universo, o produz no intelecto que se une a ele.

Por outro lado, embora um intelecto veja Deus mais perfeitamente que outro, cada um o vê de tal modo que sua capacidade natural fica saciada. Ora, em toda inteligência essa capacidade se estende a todos os gêneros e a todas as espécies do universo e ainda à multidão dos particulares, subordinados às espécies. De fato, não desejamos nada mais. Portanto, as inteligências discernem distintamente em Deus mesmo o singular. Além disso, já que uma potência superior pode também o que pode uma potência inferior e mesmo de modo mais perfeito, e que as almas unidas a corpos conhecem tanto o universal como o individual, convém portanto que as inteligências, unidas à própria verdade, compreendam um e outro por uma só potência e por um só olhar, tanto mais que de um lado as próprias espécies das coisas são mais extensas nessas inteligências e que de outro lado essas inteligências adquirem lá em cima uma potência muito eficaz, graças à qual passam dos gêneros e das espécies aos particulares. Evidentemente é seguindo uma ordem inversa das coisas que as espécies chegam ao intelecto unido ao corpo e ao intelecto separado. A nosso intelecto chegam por via analítica, abstraindo de toda condição material, ao intelecto separado por uma espécie de síntese da inteligência e da forma divina, princípio criador de todas as coisas e juiz também dos singulares. Esta forma não é abstraída dos singulares, mas criadora universal dos singulares, não só de sua forma, mas ainda de sua matéria, em quem se encontra o princípio de toda individuação. É por isso que as formas que dela decorrem na inteligência representam às inteligências unidas, além do universal, o singular. Isto é também confirmado pelo fato de que se os espíritos angélicos movem os corpos celestes por sua inteligência, é preciso que conheçam o móvel que movem e as posições que variam em função do movimento. Quanto às nossas inteligências, podem ser elevadas ao conhecimento angélico, sobretudo no que concerne ao movimento, principalmente se obtiverem lá em cima um papel de governo.