Sof 231c-233a: Recapitulação para retomar a investigação

Estrangeiro – Inicialmente, aproveitemos esta pausa para tomar fôlego, e enquanto descansamos, cá entre nós façamos a conta das formas sob que o sofista já nos apareceu. Se mal não me lembro, de início achamos que ele era um caçador que sabia cobrar seus serviços para pegar moços ricos.

Teeteto – Isso mesmo.

Estrangeiro – Em segundo lugar, mercador de conhecimentos para a alma.

Teeteto – Perfeitamente.

Estrangeiro – E em terceiro, não se nos revelou retalhista desses mesmos conhecimentos?

Teeteto – Sim; e em quarto, fabricante dos conhecimentos que ele próprio vende.

Estrangeiro – Tens boa memória. A quinta fica a meu cargo definir: uma espécie de atleta nos certames da palavra e por demais habilidoso na arte das disputas.

Teeteto – Isso mesmo.

Estrangeiro – A sexta forma suscitou discussões; não obstante, concordamos em atribuir-lhe o papel de purificador das opiniões que na alma servem de obstáculo para o conhecimento.

Teeteto – Perfeitamente.

Estrangeiro – Ainda não percebeste que o indivíduo versado em diferentes conhecimentos, sempre que é designado profissionalmente pelo nome de uma única arte não nos proporciona uma imagem sadia? É evidente que quem faz tal ideia de determinada arte é incapaz de distinguir nela o ponto de convergência daqueles conhecimentos. Essa a razão de ser ele designado por muitos nomes, não apenas por um.

Teeteto – É bem provável que tudo se passe como disseste.

Estrangeiro – Acautelemo-nos para que não nos aconteça a mesma coisa, por falta de diligência em nossa investigação. Voltemos, pois, para o começo e recapitulemos o que ficou dito a respeito do sofista. Uma particularidade me parece designá-lo à maravilha.

Teeteto – Qual é?

Estrangeiro – Se estou bem lembrado, dissemos que era disputador.

Teeteto – Certo.

Estrangeiro – E então? E também não afirmamos que ele ensinava a outras pessoas essa mesma arte?

Teeteto – Afirmamos.

Estrangeiro – Determinemos, então, em que essa gente se considera competente para ensinar aos outros é arte de disputar. De início, orientemos nosso exame da seguinte maneira: será acerca das coisas divinas de modo geral, ocultas aos homens, que eles comunicam a seus discípulos a capacidade de discutir?

Teeteto – Pelo menos, é o que todos dizem.

Estrangeiro – E também acerca de tudo o que vemos na terra e no céu e de quanto em ambos se contém.

Teeteto – Por que não?

Estrangeiro – Mas, em suas reuniões particulares quando discutem problemas gerais da geração e do ser sabemos perfeitamente que são tão fortes na arte de se contradizerem, como capazes de transmitir aos outro essa mesma habilidade.

Teeteto – Perfeitamente.

Estrangeiro – E a respeito de leis e dos negócio públicos, não se comprometem a fazer dos outros bons disputadores?

Teeteto – Ninguém, por assim dizer, os procuraria, se da parte deles não houvesse tal promessa.

Estrangeiro – No que entende com as artes em geral e com cada uma em particular, todas as objeções a. que os respectivos profissionais precisarão responder foram redigidas em forma popular e se encontram ao alcance de quem quiser estudá-las.

Teeteto – Quer parecer-me que te referes aos escritos de Protágoras sobre a luta e outras artes que tais.

Estrangeiro – Isso mesmo, varão felicíssimo, e a muitas outras coisas mais. E sua arte de contradizer, não se te afigura, em resumo, uma faculdade capaz de discutir todos os assuntos?

Teeteto – Parece, mesmo, que pouquíssima coisa lhe escapa.

Estrangeiro – Mas, pelos deuses, menino, achas possível semelhante coisa? Talvez vossos olhos de moço distingam com nitidez o que para os nossos é confuso.

Teeteto – A que te referes, e qual a razão de te manifestares desse modo? Não apanho bem o sentido da questão.