Estrangeiro – Inicialmente, aproveitemos esta pausa para tomar fôlego, e enquanto descansamos, cá entre nós façamos a conta das formas sob que o sofista já nos apareceu. Se mal não me lembro, de início achamos que ele era um caçador que sabia cobrar seus serviços para pegar moços ricos.
Teeteto – Isso mesmo.
Estrangeiro – Em segundo lugar, mercador de conhecimentos para a alma.
Teeteto – Perfeitamente.
Estrangeiro – E em terceiro, não se nos revelou retalhista desses mesmos conhecimentos?
Teeteto – Sim; e em quarto, fabricante dos conhecimentos que ele próprio vende.
Estrangeiro – Tens boa memória. A quinta fica a meu cargo definir: uma espécie de atleta nos certames da palavra e por demais habilidoso na arte das disputas.
Teeteto – Isso mesmo.
Estrangeiro – A sexta forma suscitou discussões; não obstante, concordamos em atribuir-lhe o papel de purificador das opiniões que na alma servem de obstáculo para o conhecimento.
Teeteto – Perfeitamente.
Estrangeiro – Ainda não percebeste que o indivíduo versado em diferentes conhecimentos, sempre que é designado profissionalmente pelo nome de uma única arte não nos proporciona uma imagem sadia? É evidente que quem faz tal ideia de determinada arte é incapaz de distinguir nela o ponto de convergência daqueles conhecimentos. Essa a razão de ser ele designado por muitos nomes, não apenas por um.
Teeteto – É bem provável que tudo se passe como disseste.
Estrangeiro – Acautelemo-nos para que não nos aconteça a mesma coisa, por falta de diligência em nossa investigação. Voltemos, pois, para o começo e recapitulemos o que ficou dito a respeito do sofista. Uma particularidade me parece designá-lo à maravilha.
Teeteto – Qual é?
Estrangeiro – Se estou bem lembrado, dissemos que era disputador.
Teeteto – Certo.
Estrangeiro – E então? E também não afirmamos que ele ensinava a outras pessoas essa mesma arte?
Teeteto – Afirmamos.
Estrangeiro – Determinemos, então, em que essa gente se considera competente para ensinar aos outros é arte de disputar. De início, orientemos nosso exame da seguinte maneira: será acerca das coisas divinas de modo geral, ocultas aos homens, que eles comunicam a seus discípulos a capacidade de discutir?
Teeteto – Pelo menos, é o que todos dizem.
Estrangeiro – E também acerca de tudo o que vemos na terra e no céu e de quanto em ambos se contém.
Teeteto – Por que não?
Estrangeiro – Mas, em suas reuniões particulares quando discutem problemas gerais da geração e do ser sabemos perfeitamente que são tão fortes na arte de se contradizerem, como capazes de transmitir aos outro essa mesma habilidade.
Teeteto – Perfeitamente.
Estrangeiro – E a respeito de leis e dos negócio públicos, não se comprometem a fazer dos outros bons disputadores?
Teeteto – Ninguém, por assim dizer, os procuraria, se da parte deles não houvesse tal promessa.
Estrangeiro – No que entende com as artes em geral e com cada uma em particular, todas as objeções a. que os respectivos profissionais precisarão responder foram redigidas em forma popular e se encontram ao alcance de quem quiser estudá-las.
Teeteto – Quer parecer-me que te referes aos escritos de Protágoras sobre a luta e outras artes que tais.
Estrangeiro – Isso mesmo, varão felicíssimo, e a muitas outras coisas mais. E sua arte de contradizer, não se te afigura, em resumo, uma faculdade capaz de discutir todos os assuntos?
Teeteto – Parece, mesmo, que pouquíssima coisa lhe escapa.
Estrangeiro – Mas, pelos deuses, menino, achas possível semelhante coisa? Talvez vossos olhos de moço distingam com nitidez o que para os nossos é confuso.
Teeteto – A que te referes, e qual a razão de te manifestares desse modo? Não apanho bem o sentido da questão.