Sobre o conhecimento científico. Contra o heraclitismo epistemológico.
Segundo Adriana Manuela Nogueira e Marcelo Boeri, tradutores do diálogo para a Fundação Calouste (Lisboa, 2010) é a seguinte sua estrutura e argumento.
A estrutura do diálogo parece comparativamente simples. Após uma dupla introdução dramática, a segunda das quais gradualmente vai assumindo uma função metodológica, Sócrates lança a pergunta – “O que é o saber?” que comandará todo o diálogo.
É a ela que Teeteto apresenta as três respostas que constituem o diálogo, cada uma das quais, pela sua autonomia, serve de baliza à argumentação. No entanto, esta simplicidade é ilusória, pelo facto de descaracterizar por completo a estrutura do diálogo. Em primeiro lugar, esconde a complexidade e subtileza da refutação da primeira resposta (que se estende por quase dois terços da obra); depois, ignora o fio que profundamente a liga às outras duas, não prestando qualquer atenção ao deslize da questão do saber para a da opinião e desta para a do logos, que remata o diálogo, deixando a investigação numa aparente aporia.
O maior defeito desta perspectiva do Teeteto reside no modo como impede a apreensão da unidade da obra, diluindo a investigação sobre a natureza do saber num arbitrário e quase irrelevante encadeamento de debates inconclusivos. Tentando superar as dificuldades expostas, esta introdução visa propor uma interpretação que faça justiça à unidade do Teeteto, sem deixar de analisar cada uma das partes que o constituem e apreciar o modo como se articulam entre si.
O argumento do diálogo é animado por uma intenção, expressa no plano dramático: a de recordar a personalidade de Teeteto, relatando um episódio da sua educação filosófica (144d-15le). Esta intenção explica alguns excessos erísticos da argumentação de Sócrates, bem como as frequentes digressões, particularmente no curso da refutação de Protágoras. Mas deixa-se progressivamente atenuar, ao longo das refutações da segunda e terceira respostas de Teeteto, devido à especiosa dificuldade de muitos dos problemas levantados pela argumentação de Sócrates.
Este facto indicia uma gradual transformação na abordagem da questão do saber. Podemos considerar o exame da primeira resposta meramente introdutório e constitutivo do problema, refutando Teeteto, a partir da crítica das sucessivas versões apresentadas da onto-epistemologia, atribuída a Heráclito e Protágoras.
Tudo muda, porém, após a refutação desta resposta, emergindo o saber como problema autônomo. O exame da segunda resposta dá origem à constituição da cognição, como atividade unificada: à emergência do “problema do conhecimento”, poderemos dizer. É desta que parte o exame da terceira resposta”, o qual, aceitando os resultados da análise precedente, se confronta com uma nova dificuldade: a da possibilidade e meio de atingir o saber.
Esta perspectiva contribui para colocar o problema da integração do diálogo no Corpus em termos muito diferentes dos habituais.