Thonnard: A Metafísica de Plotino

Excertos de Thonnard, Compêndio de História da Filosofia

Descida dos seres que vêm de Deus.

124. — Toda a metafísica é uma explicação do real considerado no seu conjunto, uma determinação das razões de ser supremas e universais das coisas : ” Scientia entis ut sic “. Eis porque, embora não- contenha explicitamente a teoria aristotélica das causas, pode sempre caracterizar-se pela sua maneira de determinar as causas profundas. Ora Plotino não se limita a atribuir aos seres a causa primeira exemplar e final, como Platão; ou uma primeira causa motora, como Aristóteles; ou uma causa formal, como os estoicos; mas determina a causa do seu ser. De fato, fala desta causa a propósito de cada grau de ser; mas é fácil encontrar o princípio fundamental que dá unidade a toda a sua teoria.

Principio fundamental.

Todo o ser perfeito é causa eficiente perfeita, isto é, maniiesta necessariamente a sua perfeição produzindo um ser à sua imagem, de sorte que a sua causalidade goza de tríplice carácter :

1° O agente dá sem nada perder, como o vaso cheio trasborda sem deixar de estar cheio, ou como o sol que emite raios luminosos sem diminuir a luz; a sua ação causal é precisamente ” a contemplação silenciosa da sua perfeição que se exterioriza por si mesma numa imagem “.

2° O efeito, por seu lado, é necessariamente semelhante à causa, participando da sua perfeição. Sob este ponto de vista, não pode separar-se dela, permanece-lhe intimamente unido e como imanente.

3° Por outro lado, a perfeição do efeito nunca pode igualar a da causa; e sob este ponto de vista, todo o principio é realmente distinto dos seus efeitos : Plotino afirma-o nitidamente e esse é um corolário muito lógico, porque seria absurdo identificar o perfeito imutável com a imagem imperfeita que dele procede.

Em resumo : ” Todo o ser perfeito produz sem nada perder uma imagem dotada, em relação ao seu modelo, ao mesmo tempo de semelhança e de degradação; de imanência e de distinção real “.

Rigorosamente, Plotino não demonstra o seu princípio; para lhe mostrar a evidência, apresenta exemplos. Verifica-se, com efeito, que todos os seres, em atingindo a perfeição, longe de repousarem estérilmente, derramam à volta a sua superabundancia : o fogo ilumina e aquece, a neve não conserva em si todo o frio, os objetos perfumados alegram toda a vizinhança. Assim o ser perfeito supremo não pode ser nem cioso da sua perfeição, nem impotente para a comunicar : necessariamente há-de comunicá-la, assim como todo o ser perfeito, na medida da sua perfeição. — Mas a origem profunda da justificação deste princípio está na intuição do ser perfeito que Plotino concebe como bondade superabundante e ativa, segundo o adágio platônico : ” Bonum est diffusivum sui “. Eis porque se apreende melhor o alcance desta teoria nas suas aplicações.

Com efeito, à luz deste princípio, o universo aparece constituído por uma hierarquia de seres que procedem ou emanam uns dos outros segundo a lei da degradação descendente e contínua. Plotino, contudo, reduz ao mínimo o número de seres no mundo ideal e prova que não pode haver mais que três :

1° No cimo, o Ser necessário, plenamente perfeito, que tem o nome próprio de Uno. Não é preciso demonstrar a sua existência, porque ela se impõe por si mesma como fonte suprema de toda a realidade : negá-la seria suprimir toda a explicação racional do Universo.

2° Imediatamente depois do Uno vem a dualidade essencial à Inteligência.

3° Depois, é a pluralidade ainda unificada, na Alma.

4° A seguir, apenas se encontra – a pluralidade pura, e por consequência o não-ser : é a Matéria.

O Uno, a Inteligência, a Alma, a Matéria : tais são as quatro aplicações do princípio fundamental de Plotino.