ti esti / idea

Tudo radica na consideração: só há saber, diz Sócrates, quando se sabe o que é; mas, se assim é, também só há, em particular, saber das coisas belas (e. g., dos belos discursos) quando se sabe o que é o belo (287be). Ora, a esta luz, torna-se necessário, como vimos, introduzir uma distinção entre «o que é» em sentido próprio (e. g., o que é propriamente belo, o que é o próprio belo, auto to kalon) e aquilo em que isso apenas se apresenta, sem ser propriamente (as coisas belas, panta ta kala, enquanto são belas: 287d, 288a, 292cd). Todavia, é «o que é» (o belo, to kalon) que faz com que as coisas sejam (coisas belas, kala esti: 287c). Isso que é (o belo) é, portanto: a) alguma coisa (to touto, 287c); b) que é absolutamente, i. e., sempre, para todos e em todas as circunstâncias (289cd, 291cd, 292cd, 292e, 293bc); c) que faz ser (poiei einai) todas as coisas de acordo com o que é (e. g., que faz ser belas as coisas belas) e não simplesmente parecê-lo (phainesthai: 294ac, 294e); d) e que, por isso, se apresenta em todas as coisas que são desse modo (e. g., que são belas) como «algo comum» (ti koinon: 299d-300b).

Todavia, a esta ordem estrutural, governada pelo saber, corresponde no Hípias Maior uma outra ordem mais profunda e radical, governada pela própria economia de «o que é».

Podemos resumi-la brevemente em três passos: 1 – Há coisas que são. Há, por exemplo, coisas belas. 2 – Mas, se há coisas belas, é porque possuem (hyperekein, 294b) o belo, ou, de outro modo, o «carácter» (to eidos, 289d) do belo: «Poderiam», pergunta Sócrates, «ser belas todas essas coisas que dizes serem belas, sem o que é o próprio belo?» (288a). 3 – Todavia, isso que é o próprio belo, é necessariamente alguma coisa, ou de outro modo não seria de todo (287c). E, se é o próprio belo, tem de ser absolutamente belo ou, se se preferir, o belo em absoluto, pois que é sempre belo, para todos e em todas as circunstâncias: «O belo que eu disse é e parecerá tal a todos», afirma Hípias; «e sê-lo-á?», interpõe Sócrates: «porque o belo é decerto sempre belo.» (292e). Ora é esse absolutamente belo que, por isso mesmo, faz ser belas as coisas belas: porque sem ele elas nada são, i. e., nada são de belo.

Encontramos, deste modo, nesta breve mostração dos caracteres definidores de «o que é» três fundamentais determinações da ideia: (1) a ideia é o que cada coisa é, i. e., o seu ser; (2) todavia, se a ideia é o que cada coisa é, não é entretanto a coisa, mas sim o «é» da coisa – e a diferença está entre o «mostrar», o «fazer aparecer» o ser, e o propriamente sê-lo: pelo que a ideia é o que propriamente é, i. e., não o que simplesmente «mostra» ou «faz aparecei o ser, não o sendo propriamente, mas o que é o ser; (3) ora, dizer que a ideia não simplesmente mostra o ser mas é-o, significa declarar que ela não é apenas «de algum modo», justamente como mostração, mas que é absolutamente, proposição em que se afirma, de outra forma, esse «ser o ser» que a ideia é: e, assim, a ideia é o que absolutamente é, i.e., o que nunca é diferente de si mesma, mas é sempre, pura e exclusivamente, o que é.

Todas as outras determinações, quer as que o Hípias Maior também enuncia, explícita ou implicitamente, quer as que ele não enuncia, decorrem destas e encontram-se de um modo ou de outro preludiadas nos restantes diálogos socráticos.

Assim: (4) a ideia é o que verdadeira ou realmente é: trata-se de uma modalização da noção exposta em (2) e encontra-se, como tal, implicada no Hípias Maior e principalmente no Lísis; (5) a ideia é una, idêntica, permanente e constitui o que há de comum numa dada multiplicidade: trata-se da formulação clássica da ideia, que ocorre tácita ou expressamente no Laques, no Eutifron, no Ménon e, evidentemente, no Hípias Maior, mas que se limita a desenvolver ou a encarar de formas distintas a «absolutidade» da ideia: a ideia é absolutamente, o que significa que é sempre (permanência), que é sempre o que é (identidade) e que as múltiplas «coisas que são» só são o que são por relação com ela, a qual é assim unidade de multiplicidade ou carácter comum aos plurais; (6) pela razão aduzida em (5), a ideia é um «modelo» ou um «paradigma» de que as coisas múltiplas participam: noção que se encontra já no Êutifron e de certa maneira no Lísis, bem como, vimo-lo acima, no Hípias Maior.