Tratado 2 (IV,7) – Sobre a imortalidade da alma

Plotin – Traités. Dir. Luc Brisson et Jean-François Pradeau. Garnier-Flammarion, 2002

Este segundo tratado de Plotino trata da alma. A tradição filosófica antiga sempre fez desta um objeto de predileção, lembrando-se unanimemente que a definição da alma era a condição de uma definição do homem e da vida humana, posto que o homem é uma alma antes de ser um corpo e que a alma é nele o sujeito das condutas como do conhecimento; mas os filósofos antigos adicionavam ainda que a definição da alma era uma das condições do estudo do conjunto dos seres vivos, na medida que todos são corpos animados, assim como ela devia ser um capítulo maior da explicação do mundo em seu conjunto, posto que um bom número de doutrinas antigas supunham que o mundo ele mesmo tinha uma alma. Plotino resta fiel a seus predecessores, e muito particularmente aos platônicos, quando inscreve por sua vez a investigação da alma na encruzilhada de questões éticas, biológicas e cosmológicas; mas levanta ainda bastante a importância desta investigação por razões pertinentes a sua doutrina. Pois a alma, como já estabelecido no primeiro tratado, é o ponto nodal de sua representação ordenada da realidade. Ela é o termo da processão que, advinda do Uno e passando pelo Intelecto, se realiza com ela: aquém da alma, não é possível acordar ao que quer que seja, no sentido estrito, realidade. Os produtos da alma que são os corpos e as coisas sensíveis não têm, com efeito, existência senão na medida que uma alma os informa e os anima. Se a alma é o último grau, o termo da processão, ela não menos ocupa um lugar doutrinal maior; por esta razão portanto ela é a causa do universo, do mundo sensível em seu conjunto, e por esta razão em decorrência ela é, em nós, o sujeito do conhecimento verdadeiro cujo objeto é o inteligível. De maneira que, tratando da alma, Plotino se põe na obrigação de tratar questões de ordens diferentes, mas de se pronunciar também sobre a origem da alma, sua natureza e a maneira pela qual ela pode reencontrar, para se unir, o princípio do qual ela é proveniente. O número e a importância destas questões são consideráveis. O segundo tratado das Enéadas, assim como os tratados 4 e 21 que o seguem, não as tratam senão parcialmente; obras posteriores e mais desenvolvidas prosseguirão esta investigação, como é o caso dos três tratados: Tratado-27, Tratado-28, Tratado-29. Aqui neste tratado segundo, Plotino parece preocupado em tomar posição neste debate, quando passa em revista, para as refutar, as definições contemporâneas da alma melhores estabelecidas. Os tratados 2 e 4 apresentam assim um panorama geral e «doxográfico»: Plotino aí procede ao exame das opiniões (doxai) dos predecessores ou dos contemporâneos, antes de defender sua própria definição da alma, da qual estima que ela é platônica, quer dizer verdadeira.


Segundo O’Meara (1995, p. 15), Plotino demonstra rapidamente no capítulo 1, como a questão da imortalidade envolve outra questão, aquela da natureza da alma. Pois se somos compostos de corpo e alma, é claramente só na alma que alguma chance real de sobreviver a morte pode ser encontrada. Mas isto significaria que a alma não pode ser corpo e deve ser capaz de existir sem o corpo. Plotino então argumenta nos capítulos 2-8 contra as afirmações estoicas e epicuristas que a alma é um corpo. Se Aristóteles não identifica a alma com o corpo, sua abordagem no entanto faz da alma integralmente dependente do corpo para sua existência, assim como uma versão do pitagorismo que vê a alma como uma ordem harmoniosa das partes corporais. Plotino deve portanto argumentar contra estas posições também no capítulo 8 antes de concluir no capítulo 9 que a alma não é um corpo e não depende deste para sua existência.