Plotino – Tratado 53,2 (I, 1, 2) — A alma é nela mesma impassível e não misturada: as afecções logo não podem lhe pertencer

minha tradução

desde MacKenna

2. A primeira investigação nos obriga a considerar de partida a natureza da alma [psyche] – ou seja se uma distinção deve ser feita entre alma e alma essencial [psyche einai] [entre uma alma individual e a alma-espécie em si mesma].

Se uma tal distinção se dá, então a alma [no homem] é alguma espécie de composto [syntheron] e ao mesmo tempo podemos concordar que é um recipiente e – se só a razão [logos] permite – que todas as afetividades [pathe] e experiências realmente têm seu assento na alma, e com as afetividades todo estado e humor, seja bom ou mal.

Mas se a alma [no homem] e a alma essencial são uma e mesma coisa, então a alma será uma forma-ideal [eidos], não receptiva a todas as atividades [energeia] que ela comunica à outra espécie, mas possuindo dentro de si mesma aquele ato nativo dela própria que a razão manifesta.

Se assim é, então, de fato, podemos pensar da alma como uma imortal [athanatos] – se o imortal, o imperecível, deve ser impassível [apatheia], oferecendo algo de si mesmo mas ele mesmo nada tomando do exterior exceto daquilo que recebe dos existentes anteriores a ele mesmo, dos quais existentes, naquilo que são os mais nobres, ele não pode ser destacado.

Agora o que poderia trazer medo [phobos] a uma natureza assim não receptiva de todo o exterior? Medo demanda sentimento [pathos]. Nem haveria lugar para coragem [andreia]: coragem implica na presença de perigo. E tais desejos como são satisfeitos pelo preenchimento ou esvaziamento do corpo [soma], devem ser próprio de algo muito diferente da alma, somente daquilo que admite o preenchimento e a violência.

E como poderia a alma dar-se a qualquer mistura [mixis]? Um essencial não é misturado. Ou da intrusão de algo estranho? Se assim fizesse, estaria buscando a destruição de sua própria natureza. A dor [algos] deve estar igualmente longe dela. E o pesar [lype] – como e porque poderia sentir pesar? O que quer que possua existência é supremamente livre, habitando, sem mudança, dentro de sua própria natureza peculiar. E pode qualquer aumento trazer deleite, onde nada, nem mesmo qualquer coisa boa, pode advir? O que tal existente é, é não modificavelmente.

Assim certamente a percepção-dos-sentidos, a razão-discursiva [dianoia]; e toda nossa mentação ordinária [doxa] são estranhas à alma: pois a sensação [aisthesis] é um receptador – seja de uma forma-ideal ou de um corpo impassivo, e o raciocínio e toda ação mental ordinária lida com a sensação.

A questão ainda permanece para ser examinada no tocante às intelecções [noesis] – sejam estas designadas à alma – e quanto ao puro-prazer [hedone], se este pertence à alma em seu estado solitário.

2. Mas a respeito da alma, por conseguinte, é preciso investigar se a alma é diferente do ser da alma. Se assim é, a alma é um composto ; e não é absurdo que ela receba formas, que experimente paixões das quais falei, caso a razão lhe permita, e em geral que ela admita hábitos e disposições boas e más. Mas se a alma é idêntica ao ser da alma, ela é uma forma; ela não admite portanto nela nenhum dos atos que é capaz de produzir em um sujeito diferente dela; ela tem um ato imanente e interior a ela; qualquer que seja, a razão o descobre. Neste caso, é verdadeiro afirmar também que ela é imortal; pois um ser imortal e incorruptível não deve sofrer; dele mesmo informa os outros seres; mas não recebe nada deles, senão seres que lhe são anteriores, dos quais não é em nada separado, como por um corte, e que lhe são superiores. Que deveria temer um tal ser, posto que não admite nele nada de estrangeiro? Reservemos o temor ao ser capaz de sofrer. A confiança também não existe nele; ela é própria aos seres que podem ter a temer. Os desejos também não; há os que se satisfazem preenchendo ou esvaziando o corpo; não é a alma que sofre estes estados de plenitude e estes esvaziamentos. Como experimentará ela o desejo de misturar a outra coisa? Um essência permanece sem mistura. Porque desejará ela introduzir nela aquilo que aí não está? Ou do mesmo modo buscar não ser o que ela é. O sofrimento está também muito longe dela. Como e de que ela se afligirá? Um ser simples é suficiente para si mesmo, e permanece tal qual é em sua própria essência. Ela não tem mais também prazer, posto que o bem não se ajunta a ela e não sucede nela; pois ela é sempre aquilo que ela é. Sem sensação, nem reflexão, nem opinião nela; pois a sensação consiste em receber a forma ou as maneiras de ser de um corpo; a reflexão e a opinião revêm à sensação.

Quanto aos atos da inteligência, se os deixamos à alma, temos que examinar como existem nela; do mesmo modo o puro prazer, no caso que possa existir na alma só.

Igal

Bréhier

Guthrie

MacKenna

  1. See Porphyry, Faculties of the Soul, and Ficinus. commentary on this book.[]
  2. All matter shown in brackets is added by the translator for clearness’ sake and, therefore, is not canonical. S.M.[]
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