vontade

Vontade/querer (boulêsis, thelêma, hormê)

Platão fala com frequência de um querer, desejar (boulêsis) ou ansiar, mas não de uma instância ou faculdade que mais tarde será chamada de “vontade”. No entanto, nele se prenunciam uma série de questões que serão posteriormente retomadas em discussões sobre a vontade — como, por exemplo, questões sobre a relação entre ratio e vontade, ou sobre a liberdade ou a responsabilidade da vontade ou, de modo especial, sobre problemas da assim chamada “fraqueza da vontade”.

I. O querer se distingue em Platão inicialmente pelo fato de sempre se referir a alguma coisa que é realmente boa para quem quer — diferentemente do desejo, que também pode se voltar para coisas aparentemente boas mas que, de fato, são ruins (ver Górg. 466d-e, 467b-468e; Mên. 77b-78b; Cárm. 167e; cf. aqui, quanto ao que é deliberado, Prot. 345d-e; Rep. 412e-413a; Tim. 86d-e). O Bem para o qual o querer se volta e que é ativamente perseguido é aquilo por que alguém é feliz (Banq. 205a). Quando fazemos alguma coisa que consideramos o melhor (para nós mesmos), mas é pior, então, de Jacto, não fazemos o que queremos (Górg. 468d; cf. Leis 688b-c: não “ocorre” o que queremos). No Górgias não se fala que além do querer há um “querer verdadeiro” ou que além do objetivo da ação há “um objetivo verdadeiro”. Ao contrário, existe, na medida em que é identificável, uma ocorrência do querer, a saber, aquele voltado para o bem. O conflito na ALMA do qual, ao menos mais tarde, se fala em Platão (entre outras passagens, Rep. 437b-441c; Sof. 228b) não é um conflito entre um querer e outro diferente: o querer é um determinado buscar ou atrair-para-si algo de determinado (Rep. 437b-c), que pode se opor ao apetite e então, ligado ao logismos (consideração), pode ter controle sobre o concupiscível (Rep. 439c-d). Essas passagens não dizem, porém, que nosso querer é racional num sentido subjetivo. No entanto, elas são conciliáveis com a afirmação de que o querer é descritível como objetivamente racional. A concepção só é intelectualizada pelo fato de que nós, quando temos saber correspondente, também vamos querer o que é correto.

Um dos problemas relacionados a isso é o da akrasia, aquele estado que consiste na falta de autocontrole e em regra é identificado com a fraqueza da vontade. De acordo, por exemplo, com o Sócrates do Protágoras não há uma “fraqueza da vontade”: esta, como mostra o “paradoxo socrático”, é na verdade uma falta de saber, que se origina, por exemplo, de uma falsa avaliação ou medição do prazer a ser esperado (cf. Prot. 357d-e). Quando, em contrapartida, existe o saber relevante para a ação (o saber sobre a situação, o que fazer etc.), o indivíduo também age correspondentemente (cf. Prot. 351b-359a). No entanto, a tese de que o saber atrai a ação diretamente para si não apreende aquele fenômeno segundo o qual nós, por exemplo, tendo em vista obter um objeto que promete prazer a curto prazo, mas que a longo prazo é sabidamente danoso, podemos ser puxados de um lado para o outro. Pelo menos no que tange ao conflito interior perceptível, esse fenômeno parece ser mais bem assimilado na República na concepção da disputa interna das faculdades da alma. O Górgias explica a tese de que o querer sempre se dirige ao bem, com referência a uma relação meio-fim: quando fazemos F por causa de G, não queremos F, mas sim G (Górg. 467c-e). Contudo, aqui não está claro por que o meio para a obtenção de um fim não deveria também poder ser objeto do querer (Górg. 467d-e, 468b-c). Em todo caso, o trecho 468c diz que queremos, como algo de útil (para o fim), algo que é diferente do bom (isto é, do fim). Talvez essa passagem pretenda, portanto, somente significar que não podemos dizer, sem mais qualificação, que queremos o meio para a obtenção de um fim. [SCHÄFER]