Quatro Linhagens – Quatro Combates

A unidade unicamente inteligente não anui e anui à interpelação do nome de Zeus.

Em consonância com a ambiguidade fundamental do nome de Zeus, a unidade unicamente inteligente não anui e anui. Essa ambiguidade se deve a que o nome de Zeus, por indicar o momento em que o todo (pre)pondera (sobre) as partes, implica também o sentido de parte preponderante que mantém como tais as partes ponderadas – como se lê, por exemplo, na Ilíada:

e aí é que áurea o Pai estende a balança,
nela põe duas Cisões de longidolente morte:
a de Aquiles e a de Heitor domador de potros
(II. XXII, 209ss)

No sentido dessa ponderação de Zeus, os “desígnios do grande Zeus” (Diòs megálou dià boulás, T. 465), mencionados na Teogonia no mito de Crono como a causa do comportamento pedofágico de Crono, e a “decisão de Zeus” (Diòs… boulé, II. I, 5), de que fala a Ilíada como da causa dos acontecimentos, dizem o mesmo que dizem as Motrai, “Partes” que presidem a participação de cada imortal e de cada mortal em ter e em ser. Entretanto, o nome de Zeus também implica o sentido de uma parte preponderada pelo todo: justamente a parte de um Zeus que não pode – enquanto se mantiver como mantenedor – subtrair seu filho Sarpédon à parte que cabe aos mortais como o quinhão que lhes cabe em comum (II. XVI, 431ss).

A inserção na linhagem genealógica é o modo de o pensamento teogônico determinar a essência de cada Deus. Assim se dão os termos que determinam a essência de Zeus não só nos mitos de Céu e de Crono mas também no catálogo de esposas e de filhos de Zeus.

A Oceanina Métis (“Astúcia”), “a mais sábia, dentre os Deuses e os homens mortais” (T. 886), e sua filha Atena de olhos glaucos (T. 924) principiam e fecham o catálogo (T. 886-929). Neste círculo assim principiado e fechado, primeiro vêm Thémis (“Lei”) e suas duas tríades de filhas: 1) Hórai, as “Sazões”, “que sazonam as lavouras dos morituros mortais”, a saber: Eunomíe (“Eqüidade”), Díke (“Justiça”) e Eiréne Tethaluia (“Paz viçosa”); e 2) Moirai “as Partes, a quem mais deu honra o sábio Zeus”, a saber: Klothó (“Fiandeira”), Lákhesis (“Distributriz”) e Átropos (“Inflexível”), por cujos dons “os homens mortais têm o bem e o mal” (T. 904ss).

Esta última tríada – gerada por Zeus em união com Thémis e honrada por Zeus Metíeta (“sábio”, no sentido de sua união com Métis) – é inserida também na linhagem de Caos, na qual se inscrevem todas as formas da negação de presença e da privação de ser. Esta dupla filiação das Moiras (“Partes”), nascidas da união amorosa de Zeus e de Thémis (“Lei”) e nascidas por cissiparidade da Noite imortal (T. 217), figura a ambígua unidade da relação de identidade e de alteridade entre Céu e Terra, e entre Terra e Tártaro, esta última aliás repetida com seu caráter privativo na relação entre Eros e Caos. Esta dupla filiação das “Partes” aliás ainda figura a ambiguidade fundamental do nome de Zeus que: 1) ora soa como o todo que predomina sobre as partes, 2) ora soa como parte predominante que mantém as partes dominadas tais quais por essência necessária elas se têm.

As quatro fases e quatro zonas, centradas no plano terrestre, fundadas por Deusa Terra, configuram na imagem visível do eidos do Mediterrâneo a unidade complexa das quatro diversas linhagens divinas, cujos seres são bem e sabiamente definidos por Zeus mediante quatro combates; e assim esta quádrupla tétrada, tomada como fio condutor da descrição do devir dos Deuses, figura o modo originariamente helênico de pensar o fenômeno do mundo.

TORRANO, J. O Sentido de Zeus. São Paulo: Iluminuras, 1996.