Vejamos um pouco mais de perto o que Platão pretende dizer. Suponhamos o tampo da mesa a que me encontro sentado. Nós estamos preparados a determiná-lo quanto à sua forma geométrica como rectangular. Podemos enunciar o juízo «o tampo da mesa é rectangular». Aparentemente, estamos a trazer à linguagem aquilo que nos parece ser o eidos, a unidade de sentido que aglutina o olhar sobre o tampo da mesa. Cada pessoa, sentada em pontos de vista e perspectivas que rasgam diferentemente sobre isso, a diversas distâncias, etc., está pronta e preparada para determinar essa verdade. Nós podíamos fotografar esta mesma mesa a partir do ponto de vista em que nos encontramos, fixar assim uma apresentação, uma imitação daquilo mesmo que estamos a ver. Nós temos em vista, contemplamos, a mesa a partir de vários pontos de vista, contraímos no nosso posicionamento vários aspectos dela: ek plagiou, ek katantikry. Mas cada aspecto é uma reprodução da mesa, do tampo da mesa que aqui temos perante nós exposto à nossa consideração. Só que o aspecto não é nada que possa ser visto em si mesmo. Quando mudamos de lugar, o aspecto que o tampo da mesa assumia desfaz-se, desvanece-se, e passa a formar-se um outro aspecto. O aspecto que de cada vez se constitui não está dado lá na mesa, no seu tampo, aí mesmo onde eu penso que ele está. Ainda que eu pense que assim é. Um aspecto é o resultado do meu ponto de vista. Mas ele não e no ser da mesa. Um aspecto é um phantasma da mesa, uma mimesis da mesa, sem o ser no seu ser. Cada perspectiva da mesa dá-nos um aspecto dela sem que nenhum deles atinja o que a mesa é na sua forma, por exemplo, geométrica. Mesmo assim, cada mimesis da mesa não deixa de ser uma imitação «da» mesa, não deixa de remeter, de uma forma tácita, para o seu próprio ser.