Enéada VI,9,11 — “Fugir só para ele só…”

Capítulo 11: “Fugir só para ele só…”
1-7. Depois de ter contemplado o Uno, guarda-se uma imagem dele que é difícil de exprimir.
8-25. A contemplação do Uno implica em um estado de possessão divina, um “êxtase”, uma “simplificação” e uma “doação” de si.
25-35. Tudo que se pode dizer da contemplação do Uno nada mais é que uma imagem, um enigma que é preciso interpretar.
35-51. A subida da alma até o Uno é uma fuga solitária do mundo daqui de baixo; lá, próximo do Uno, é a vida que levam os deuses e os homens divinos.

11. É isto que quer dizer a interdição, feita nos Mistérios daqui de baixo, de nada revelar aos não-iniciados; é porque o divino não pode ser revelado que ela interdita de mostrá-lo a qualquer um que não tenha tido a felicidade de vê-lo. Logo, posto que não havia duas coisas, mas que aquele que via não fazia senão um com o que era visto, como se isto que fosse visto não fosse visto, mas fosse unido àquele que via, pode lembrar-se do que tinha se convertido quando fosse unido a ele, ele guardará nele mesmo a imagem. Ele era ele mesmo um, pois não tinha nele mesmo nenhuma diferença, nem em relação a ele mesmo nem em relação às outras coisas; com efeito, nada nele se agitava, não havia nem paixão, nem desejo de outra coisa quando lá chegasse. Mas não havia mais razão, nem intelecção e ele não era mais ele mesmo absolutamente, se é preciso disse isso também. Mas como se extasiado, ou melhor, possuído pelo deus, ele se encontrasse tranquilamente na solidão e em um estado de calma perfeita, sem se afastar de nenhuma maneira de sua própria realidade, sem mais girar ao redor dele mesmo, mas em permanecendo «em repouso», e em sendo, por assim dizer, convertido ele mesmo em repouso. Ele não estava entre as belas coisas, e seu curso já o tinha conduzido além do belo e já tinha mesmo superado o coro das virtudes, como aquele que entrou no interior de um santuário, depois de ter deixado atrás dele as estátuas erguidas no templo, e que são no entanto as primeiras que verá quando sairá de novo depois da contemplação e a união que terá tido no interior, não com uma estátua ou com uma imagem, mas com deus ele mesmo. As estátuas não farão o objeto que de uma contemplação secundária. E talvez não fosse uma contemplação, mas uma outra maneira de ver, um êxtase, uma simplificação e uma doação de si, uma aspiração ao contato, uma forma de repouso, uma meditação que aspira à união na coincidência, se se quer contemplar o que se encontra no interior do santuário. Mas se olha de uma outra maneira, não encontra mais nada. É preciso dizer, tudo isso não são senão imagens; logo elas sugerem enigmaticamente aos intérpretes avisados como este deus pode ser visto; mas um sacerdote avisado, que encontra a solução do enigma, pode ter a contemplação verdadeira em entrando no santuário. E mesmo se aí não entra, porque estima que este santuário é uma coisa invisível, e que é «a fonte e o princípio», saberá que se vê o princípio pelo princípio e que semelhante se une ao semelhante. Não negligenciará nenhuma das coisas divinas que a alma pode ter antes mesmo de contemplar, enquanto espera o resto da contemplação: o resto, para aquele que elevou-se além de todas as coisas, é o que se encontra antes de todas as coisas. Pois a alma não alcançará certamente ao não-ser absoluto, mas, se ela desce para o baixo, ela alcançará o mal, e desta maneira ao não-ser, mas não ao não-ser absoluto; enquanto, correndo na direção contrária, ela não alcançará algo de outro, mas ela mesma; e desta maneira, porque ela não está em outra coisa, ela não estará em nada, mas nela mesma; e o fato de ser nela somente, e não nisto que é, implica que ela está nele; pois, na medida que se está em relação com ele, não se é uma realidade, mas a gente se encontra «além da realidade». Logo se a gente se vê convertido nisso, a gente se consideraria como uma cópia dele; e se se partisse de si mesmo para ir da imagem para seu modelo, se alcançaria o «fim da viagem». Se a gente se priva da contemplação, despertando de novo a virtude que está nele e compreendendo que assim se está idealizado pelas virtudes, a gente se sentirá de novo leve, em alcançando pelo intermédio da virtude até o intelecto e o saber, e por intermédio do saber até ele. Tal é a vida que levam os deuses e os homens divinos e bem-aventurados: ser liberado das coisas daqui de baixo, viver sem encontrar seu prazer nas coisas daqui de baixo, fugir só para ele só.