Pensadores Pré-socráticos ou Originários

Excertos de Eudoro de Sousa, “Horizonte e Complementaridade”

A solução do problema da origem, ou das origens, da filosofia, na Grécia, ou se achará nela mesma, como interpretação da primeira filosofia originada, ou fora dela. Neste caso, é de recear que indefinidamente tenha de ser adiada, posto que, até agora, ainda ninguém bateu à porta, atrás da qual, efetivamente, se encontrasse aquela cuja veracidade ou verosimilhança promoveria uma pacificação dos ânimos inquiridores. A prova do que afirmamos ressalta, com irresistível vigor, de algumas centenas de páginas em que R. Mondolfo, nos dois primeiros volumes da sua tradução da História da Filosofia Grega, de Zeller-Nestle, expôs e discutiu o status quaestionum que refere uma bibliografia praticamente inexaurível. Não tentaremos, por conseguinte, bater a outra porta. Mas, quanto à interpretação da filosofia originada? Chegará ela, alguma vez, ao ponto do qual se avistem, pelo menos, os sinais da origem, ou das origens, de todo o filosofar? Aqui, o obstáculo inevitável reside, em última análise, no facto assegurado (Cherniss, 1935; McDiarmid) de que, por um lado, o nosso guia é e não pode deixar de ser Aristóteles e, por outro lado, de que o filósofo nos conduz deliberadamente para as origens do próprio pensamento. Mas se o facto é inegável, não se nos afigura como necessariamente certo concluir que se imponha a exclusão de todas as notícias doxográficas (e, entre elas, as de Aristóteles em primeiro lugar) para atingir a fonte original de todos os problemas que ocuparam a mente dos primeiros filósofos — só dos primeiros, já que, para quase toda a sequência dos pré-socráticos, de Xenófanes a Demócrito, a opinião dos doxógrafos pode ser aferida pelo conteúdo de maior ou menor número de fragmentos. Mas a situação mostra-se demasiado precária, no momento inicial tradicionalmente designado como o da escola de Mileto, onde se deflagra um contraste cifrado em dezenas de páginas de doxografia contra meia dúzia de linhas de texto original, com a agravante de nem mesmo se conseguir perfeito acordo quanto à extensão e ao significado autêntico desses testemunhos directos. A primeira questão surge com uma espontaneidade, dir-se-ia natural: se há um «hilozoísmo» jônico e os seus primeiros representantes são os três mencionados filósofos, onde se encontra o comum pensamento que levou a história a reuni-los em escola, diferenciável de todas as seguintes e consequentes? Que há de comum entre o que se supõe ter sido o pensamento repartido pelos três nomes de Tales, Anaximandro e Anaxímenes? A tal pergunta, já a historiografia filosófica respondeu nos primeiros passos de sua longa caminhada: os três milésios são os primeiros pensadores de uma sucessão que termina em Parménides, e cuja teorese, para além de toda a diversidade, individualizante de sistemas singulares, apresenta esta característica abrangente — todos eles admitem um só princípio. Quer dizer, a escola de Mileto teria aberto a sucessão dos «monistas», que, a partir do impasse introduzido pelo Ser parmenídeo, daria lugar à sucessão dos «pluralistas», começando em Empédocles (ou, talvez, no próprio Parmênides) e terminando em Demócrito — todos estes admitindo, ou melhor, tendo de admitir, dois (Parmênides), quatro ou seis (Empédocles) ou um infinito número de princípios (Anaxágoras, Leucipo e Demócrito), no propósito de desincompatibilizar o ser com o movimento. O esquema é bastante intuitivo e claramente didáctico; e tanto, que não há compêndio de história da filosofia que o não adopte, com alterações insignificantes, dele se servindo como do fio de Ariadne, para sair por onde entrou, no labirinto problemático das contradições insolúveis.

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